
Em meio a mais uma tragédia climática no Rio Grande do Sul, a atuação do governo federal tem sido marcada por demora, burocracia e promessas que não saem do papel. Enquanto a população se organiza, Brasília ainda calcula o impacto político de cada atitude.
A chuva voltou a castigar o Rio Grande do Sul, e com ela veio novamente a sensação de abandono. São quatro vítimas fatais, mais de 120 municípios afetados, milhares de pessoas fora de casa, cidades alagadas, rodovias interditadas. O cenário, que se repete com frequência alarmante nos últimos anos, expõe não apenas a força destrutiva dos eventos climáticos — mas também a fragilidade e ineficácia do Estado em preveni-los e enfrentá-los.
Onde está o governo federal? A pergunta ressoa nas redes sociais, nas rádios e nas entrevistas com prefeitos desesperados. Quando a ajuda chega, é tardia, insuficiente ou carregada de burocracia. A morosidade em reconhecer o estado de calamidade, a lentidão na liberação de verbas e a falta de coordenação entre os entes federativos são agravantes de um desastre já previsível.
Promessas demais, ação de menos
Desde a catástrofe climática de maio, muito foi anunciado e pouco foi entregue. A criação de um “gabinete de crise permanente” e a liberação de verbas emergenciais viraram manchetes, mas pouco se materializou de forma concreta e ágil. Enquanto isso, ONGs, igrejas, associações de bairro e voluntários fazem o que podem — e o que o Estado deveria estar liderando.
É evidente a diferença entre o discurso oficial e a realidade no chão alagado de cidades como Jaguari, Encantado e Cruzeiro do Sul. A retórica de “reconstrução do Sul” virou peça publicitária, mas as pontes continuam caindo e os abrigos lotados.
A falácia da surpresa
Não se pode mais alegar surpresa. O fenômeno é conhecido. A ciência alertou. O histórico recente de enchentes em 2023 e 2024 já mostrava a urgência de um plano nacional de prevenção e resiliência climática. Mas em vez de investimento em dragagem de rios, infraestrutura verde e sistemas de alerta, o que se viu foi corte de orçamento em áreas de defesa civil e meio ambiente.
O governo parece mais preocupado com o cronograma eleitoral de 2026 do que com o calendário de previsões da meteorologia.
O povo se salva como pode
O que salva vidas no Rio Grande do Sul hoje não é o poder público, mas a ação comunitária. São as redes de solidariedade, os agricultores ajudando os vizinhos com tratores, as caronas em barcos improvisados, as vaquinhas online que arrecadam mais do que os cofres oficiais.
Essa mobilização popular é admirável — mas não pode ser permanente nem desculpa para a omissão estatal. Um país sério não pode depender da boa vontade de seus cidadãos para lidar com tragédias sistemáticas.
O governo precisa parar de reagir às enchentes como se fossem fatalidades imprevisíveis. Já passou da hora de adotar uma política nacional robusta de enfrentamento aos desastres climáticos, com orçamento adequado, planejamento regional e resposta imediata.
Até lá, resta ao povo gaúcho — mais uma vez — fazer o impossível com o que tem. E esperar que o Estado brasileiro, um dia, esteja à altura da sua bravura.