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Uma noite no Hospital

Leia a coluna de Vitor Marcelo Vieira na Quinta da Opinião

As observações que fiz na noite e nos dias em que estive acompanhando meu pai, internado no hospital, me fizeram refletir muito a respeito de muitas coisas, as quais pretendo discorrer de forma breve neste texto. Uma delas foi que me deparei pela primeira vez trocando fraldas, e em meu pai, algo inimaginável, até aquele momento. Aprendi rápido, e nunca pensei que seria dessa forma, ou seja, atirado ao fogo. Ajudei ele a tomar banho, lavei suas costas, passei várias vezes lencinhos umedecidos para deixá-lo sequinho com forros limpos e confortável.

Senti que precisava colocar a mão na massa. Peguei no frasco de fazer xixi que chamam de “papagaio”, levantei ele da cama, ajudei a deitar, se cobrir, alcançar papel, esquentar o café no forno micro-ondas, a sopa, ah essa eu até tomei. Até presenciei algo inesperado, outra situação que eu nunca imaginava que passaria. Uma pessoa faleceu ali no quarto onde eu estava com meu pai. Um senhor que estava no oxigênio e nunca expressou nenhum sinal, nenhuma palavra nos dias que estive ali. Morreu em silêncio, a família ao redor da cama fazendo orações. Meu pai dormia naquele momento e não viu passar a maca com o corpo de seu colega de quarto, todo coberto, característica comum, cobrir o corpo quando está inanimado.

A maca de rodas foi empurrada por duas técnicas em enfermagem. Uma das filhas, em seguida se aproximou de mim e me deu um pacote de fraldas dizendo que não usariam mais. Eu poderia ter saído do quarto naquele instante, mas preferi ficar, pois senti que precisava presenciar o que acomete as famílias em algum momento da vida. Aliás, pensei naquele momento exatamente isso, de que a morte faz parte da vida. Mas minhas observações foram além e pude também perceber a precarização do trabalho das e dos profissionais que atuam ali. Essa percepção ocorreu num dia em que duas técnicas em enfermagem davam banho num paciente com pneumonia, que se queixava de dores dia e noite.

Perguntei sobre a profissão e disse a elas que está mais do que na hora das autoridades valorizarem essa categoria e criar um piso salarial, porque o trabalho delas e deles não é fácil, principalmente devido ter poucos profissionais trabalhando, fazendo com que sobrecarregue para poucos. Mas o que me acorreu ali, além de tudo isso, foi a vontade de que alguma orientadora ou orientador, faça uma parceria comigo para pesquisar estes espaços. O objeto do estudo seria sobre algo que me inquieta há tempos: as semelhanças entre hospitais, escolas, manicômios e prisões. Como referencial teórico certamente usarei dois especialistas nestas pesquisas: Michel Foucault e Erwing Goffman.

Goffman inclusive chegou a se internar num manicômio para fazer sua pesquisa. Vi muitos detalhes ali, e pretendo escrever mais sobre. Enfim, vale dizer que foram semanas intensas, de muitas vivencias e experiencias. Meu pai que sempre foi forte e altaneiro artista cantando nos palcos de circo, programas de auditório de rádios e bailes e festas, hoje sofre retorcido numa cama. No Teatro Biriba assisti meus pais cantarem no palco muitas vezes. Realmente penso que é difícil imaginarmos que aquele pai idealizado, lutador, herói, vá um dia na velhice se encolher e cair numa cama. Tão resoluto, tão ativo na meia idade, período do apogeu de ser pai e agora os filhos o veem como um velhinho que retorna a infância.

Todos eles e elas retornam a infância, e na cama onde deitam imitam a posição fetal cada vez mais. Ele está indo, e deixa uma história de lutas que somente ele sabe e eu talvez um pouco. Quero dizer hoje, que depois desses momentos de reflexão, já não sou o mesmo. Um abraço!

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