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Crônicas do Terminal Urbano

Leia a coluna de Vitor Marcelo Vieira na Quinta da Opinião

Foto: Vitor Marcelo Vieira

Ainda ontem, mais uma vez, estive no Terminal Urbano de Chapecó. Como professor, preciso estar perto e viver a realidade que muitos estudantes e suas famílias vivem. Tenho feito isso com frequência, utilizando o transporte público para ir trabalhar e para voltar para casa.

Hoje, gostaria de escrever nesta crônica os detalhes que tenho observado na minha ida, nos momentos que espero o ônibus no terminal e na minha volta. É claro que não tenho nenhuma pretensão de esgotar todo esse assunto numa crônica apenas. Mas pretendo começar.

Aliás, eu já havia comentado aqui na minha coluna que faria isso, ou seja, conhecer o espírito público de Chapecó, seu ritmo urbano, os gestos, as insinuações, as demonstrações de afeto, as dissimulações, etc.

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Pretendo começar pelo período de meia hora em que fiquei dia primeiro de novembro, no terminal, antes de pegar o ônibus para voltar para casa, no final da tarde. Então vamos lá. Olhei para meu relógio de bolso, que marcava 17h25.

A passos curtos e tranquilos cheguei na plataforma onde há placas no teto informando o destino. Em seguida, chega ao meu lado um trabalhador uniformizado. Perguntei a ele se ali era o local para pegar o ônibus para meu bairro. Ele respondeu que sim e que também iria para aquele local.

Foram as primeiras palavras, e logo percebi que ali seria travado um daqueles tradicionais diálogos: “Esfriou né?” “Está voltando o inverno”. O homem que aparentava ter uns 40 anos de idade respondia solícito e prontamente.

Parece que ali era um local costumeiro para ele. Por que constatei isso? Pela sequência da conversa. Ele conhecia muita gente que circulava por ali, provavelmente, porque logo se referiu ao ritual que uma senhora fazia minutos antes de pegar o ônibus.

Essa senhora se aproximou de nós e perguntou sobre o horário do ônibus e eu prontamente a informei mostrando o papel colado no pilar de sustentação do terminal. Ela olhou e se afastou rapidamente afirmando que “ia ali e já voltava”. O homem olhou para mim e disse: “viu, é assim todos os dias!”. Toda essa cena não durou mais que três minutos.

Em seguida, silêncio. Comecei a observar as pessoas que transitam por ali. De repente um grito “oi, professor”, eram meus alunos que pegam ônibus ali. Aliás, muitos jovens das mais diversas tribos transitam por ali.

Dias desses vi um casal de adolescentes da tribo Punk, apaixonados. Mas voltando para o presente. Minutos depois aquela senhora que atravessou a rua retornou ansiosa se tinha perdido o horário. Atrás de mim um casal com uma criança, deveria ter uns seis anos.

Eram provavelmente venezuelanos ou argentinos. Bem próximo do meio fio, um rapaz de moletom com capuz e fone de ouvido. Seu olhar era de quem estava longe dali, efeito da música que talvez ouvia.

Mais acima, próximo a esquina com a avenida Getúlio Vargas, dois cachorros magros brincavam alegres entre pessoas sentadas nos bancos. De repente, os dois vem rolando próximo a um homem sentado ali, que se assusta e os toca.

Dei uma breve risada, pois parecia cena de vídeo cassetada. Ao seu lado, uma senhora com uma criança que logo saltou para brincar com os cachorros de rua. Em seguida, um dos cachorros sai da brincadeira e atravessa o terminal e vem para junto dos passageiros.

Deveria passar a noite por ali, com frio. Mas, parece que estava alimentado. Felizmente se percebe pessoas solidárias que deixam comida para eles no comércio local. Volto para meu lado da plataforma e vejo uma senhora gritando.

Não sei o porquê, mas as pessoas que saem do padrão comum da sociedade e são consideradas loucas ou mesmo os embriagados logo me fitam e congelam seus olhos em mim. Ela gritava algo, não conseguia definir o que era, mas gritava.

Perto dela, três adolescentes, que também devem frequentar o local com frequência, riam-se dela e a imitavam. Essas pessoas costumam ser um atrativo para adolescentes sempre receptivos para brincadeiras que dão um brilho a vida.

Logo ela passou. Estava com um saco nas costas. Talvez seus apetrechos de dormir. O curioso é que em volta dela havia mais dois homens que estavam na mesma situação, moradores de rua que também gritavam algumas palavras.

Seja como for, com eles sempre há um ou dois cachorros magros, geralmente, e lá havia um, sempre companheiros, esteja o ser humano como estiver. Esses seres decididamente são os anjos aos quais tanto nos referimos.

Dormem e passam o dia junto com o ser humano que grita o dia todo, esbraveja ou mesmo consome bebida alcoólica. Aquele final de tarde talvez tenha sido atípico. Muita gente transitando com flores, pois o dia seguinte era Dia de Finados. Logo o meu ônibus chegou.

Foto: Vitor Marcelo Vieira

Deixei todas as pessoas entrarem e quando pisei no degrau do ônibus registrei o momento. Isso porque queria perceber e sentir o momento em que me vieram todas as inspirações para escrever uma crônica sobre os detalhes daquele cenário, por onde passam centenas de pessoas todos os dias.

Por ali, passam todos os dias esperanças, tristezas, alegrias, projetos de futuro, ligações obsessivas com o passado. Um manancial para o cronista. Voltei para casa. Sempre digo que no Terminal Urbano de Passageiros e dentro do ônibus são os melhores lugares para se pensar na vida. Um grande abraço e até a próxima.

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