
Nunca tive dúvidas de que a Literatura sempre andou de mãos dadas com a História. Basta observar os grandes nomes da literatura mundial que influenciaram os maiores pensadores das diversas ciências. Freud bebeu na fonte de Dostoievski para criar a sua psicanálise. Györgi Lukács também fez o mesmo e se tornou um grande admirador do escritor russo, ao ponto de escrever um livro sobre crítica de literatura vestido de uma roupagem de seu contato com o autor de Memórias do Subsolo.
Eu poderia citar aqui o nome de vários historiadores franceses e norte-americanos que escreveram sobre literatura e sobre o livro e a leitura, como Robert Darnton, que escreveu a obra antológica O Grande Massacre de Gatos. O título assusta, mas, no momento em que você começa a ler, não quer parar mais. Por quê? Ora, simplesmente porque ele escreve sobre como surgiram os grandes contos de fadas da literatura mundial, que ilustram o imaginário de adultos e crianças até os dias atuais.
Esses contos eram narrados pelos camponeses no interior da França e Inglaterra no final da Idade Média, início da Idade Moderna, ou seja, séculos XVI e XVII. Nos dois séculos seguintes, esses contos foram recolhidos junto aos camponeses e viraram literatura. Os camponeses, durante as longas noites do final da Idade Média, ao redor do fogo em suas cabanas na área rural, contavam aventuras mitológicas para as crianças, que naquele momento tinham um sentido moral e pedagógico, pois essas histórias tinham o objetivo sempre de precaver as crianças dos perigos da floresta e da noite, que era muito perigosa.
Aliás, na Idade Média, a noite é dos bandidos, assaltantes, esfomeados atrás de comida e moribundos que andam sem destino. As crianças precisavam tomar cuidado na floresta. Um bom exemplo desses contos é Chapeuzinho Vermelho e O Gato de Botas.
Mas você, leitor(a), deve estar se perguntando por que este colunista está escrevendo sobre isso? Qual a importância da leitura desta coluna? O que isso pode me ajudar no meu cotidiano, repleto de compromissos como pagar boletos todos os dias, pagar a escola dos filhos, abastecer o carro, não atrasar no trabalho e torcer para que o salário no fim do mês alcance pagar a fatura do cartão de crédito?
Ora, caro leitor(a), a literatura afasta você deste mundo somente para trazer você de volta a ele, mas revestido de outros olhos sobre a vida e o planeta no qual você vive. Ela tira você do mundo e traz de volta com olhos mais atentos ao que acontece ao seu redor.
Enquanto escrevo essas linhas, me vieram as lembranças de que, nos períodos de agravamento de depressão, quando a vida lhe dá duros golpes, quem vinha me socorrer? A literatura. Mais precisamente, a clássica mundial, pois, em tempos não muito distantes, nem todo mundo tinha condições de fazer terapia e tomar remédios para depressão e outras doenças mentais que hoje se popularizaram.
Mesmo nos dias presentes, a maioria da população certamente não tem como fazer terapia, pois custa dinheiro. Na época dos nossos pais, ou de nós mesmos na infância ou adolescência, nosso terapeuta era o padre, no caso dos católicos, pois, como não haviam psicólogos e psiquiatras próximos, ninguém sabia ou conseguia conversar com um deles. Sempre foi visto como coisa de “louco”. Certamente era muito mais difícil o acesso a um deles nas décadas de 1970, 1980 e mesmo nos anos 1990.
Mas veja só, comecei a escrever este texto sobre literatura e já fui parar em terapia, recuando no tempo para décadas anteriores. A literatura faz isso. Machado de Assis faz isso. Na falta de psicólogos e psiquiatras, eu li Ana Karenina, do escritor russo Tolstoi. Esse livro tem pouco mais de 600 páginas. Tão volumoso quanto o clássico de Melville. Comecei e não parei mais; todos os dias eu lia umas três a cinco páginas.
Quando terminei, comecei a ler Moby Dick, do escritor norte-americano Herman Melville, outro clássico da literatura mundial. Me lembro bem que, em alguns finais de semana, ia para o interior; na época, trabalhava em uma Rádio AM da nossa região. Quando visitava a casa de amigos ou mesmo nas festas do interior, olhava para as grandes lavouras dos agricultores e me sentia dentro do universo do livro. Parecia que eu estava vendo, nos costumes dos agricultores do interior do oeste de Santa Catarina, os costumes narrados por Tolstoi no interior da Rússia czarina.
Às vezes me sentia o próprio personagem do livro, Liêvin, no seu trato com os mujiques. Os personagens da obra, Liêvin e Kity, moravam na área rural de São Petersburgo e lá administravam um grande feudo, onde haviam muitos trabalhadores que plantavam, colhiam, ceifavam e armazenavam a colheita. São muitos detalhes na obra que fazem você entrar e se imaginar dentro do livro, que depois te traz de volta para o seu dia a dia, mas de forma mais leve e encantada. A tua vida melhora e você retoma a alegria de viver.
Estou escrevendo este texto de madrugada, pois entendo que a noite e a madrugada são dos poetas e escritores. Hoje mesmo, quando iniciei este texto, pensei em escrever sobre literatura para depois apresentar um trecho de minhas pesquisas em documentos escolares e religiosos, mas os dedos e a mente me levaram para outros lados.
Eu iria escrever esta coluna sobre uma noite em que uma freira da Congregação das Irmãs de Notre Dame estava observando o céu estrelado e o luar, pela janela do convento. Já era madrugada e talvez a ansiedade da organização da festa do dia seguinte teria feito ela perder o sono. O local era Maravilha, aqui próximo a Chapecó, em pleno período da colonização do oeste de Santa Catarina, num longínquo canto desta vasta região, no final dos anos 1950.
Quando me deparei com o documento que relatava os preparativos da festa naquele domingo, pelas freiras do convento, consegui me transportar para dentro do documento manuscrito e ver aquela freirinha sentada ao lado da janela, observando o luar, que refletia sua luz prateada na copa das árvores ao longo do vale. Às vezes olhava para o céu e avistava uma estrela entre as milhões que cobriam toda a abóboda acima de sua cabeça. Era possível perceber quase todas as estrelas, pois era uma época em que as casas eram iluminadas por lampiões de querosene ou de gás e não havia iluminação pública.
Observando a narrativa impregnada nas folhas daquele relatório anual, documento que era produzido pelas freiras para enviar a Passo Fundo, RS, onde ficava a Casa Provincial das Irmãs de Notre Dame, fiquei a imaginar o que ela pensou naquela noite, num canto distante de tudo, onde havia somente uma mata.
Enfim, não vou além disso por hoje. Meu objetivo inicialmente era falar dessa pesquisa, mas resolvi, no meio da escrita, enveredar para a relação dessa pesquisa em documentos escritos por pessoas que viveram nos anos 1950, 1960 e 1970 com a literatura. Precisamente sobre a pesquisa, deixarei para a próxima oportunidade.
Muito obrigado, prezado(a) leitor(a), por ter chegado até aqui e até a minha próxima coluna, quando vou contar a história daquela noite de ansiedade no convento e o dia seguinte, o dia da festa. Abraços.