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A expressão indulgentia principis refere-se à anistia, que tem origem do grego amnistia que significa esquecimento. Desde Solon (594 a.C.), portanto, os helenos concediam clemência aos cidadãos que eram perseguidos pela tirania, salvo aos condenados por homicídio e traição. Inclusive, a anistia fora usada por Trasíbulo, no tratado de paz entre Atenas e Esparta. Em Roma, o instituto era denominado de generalis abolitio, que significava perdão, e, decorria de um ato político que perdoava os crimes contra os governos e objetivava estabelecer a paz.
Na Idade Média, ocorre uma certa banalização desta indulgência, pois os Senhores Feudais passam a concedê-los, meramente, por critério pessoais, perpassando, inclusive, como meio de execução da pena menos cruel.
No Brasil, a situação não foi diferente, a clemência era concedida pelos donatários das capitanias hereditárias, desde houvesse compromisso de lutar contra invasores e inimigos nas lutas do período colonial.
Sua previsão legal, contudo, provém da Revolução Francesa, vez que fora incorporado em diversas Constituições democráticas da Europa. Atualmente, a anistia é recepcionada pelo nosso Ordenamento Jurídico como uma das formas de extinção da punibilidade, prevista no artigo 107, inciso II, do Código Penal, mas também disposta como uma das competências do Congresso Nacional, estabelecida no art. 48, da Carta Magna.
Segundo o STF, em julgado da ADI 1.231, da lavra do Ministro Calos Veloso, em julgamento realizado no final de 2005, entendeu que a Constituição Federal estabeleceu uma regra, ao definir que a anistia, é de competência do Congresso Nacional, qual seja, esta depende de lei, contudo, especificamente, para crimes políticos. O entendimento da Suprema Corte, consubstancia a anistia um ato político, com natureza política. Admite-se, excepcionalmente, estende-la aos crimes comuns, porém, para estes, há o indulto e a graça. Pode abranger, também, qualquer sanção imposta por lei, sem dispensa, entretanto, do controle judicial, porque pode ocorrer, por exemplo, desvio do poder de legislar ou afronta ao devido processo legal substancial.
Esse entendimento vem ao encontro do uso da anistia, a partir 1889, quando o primeiro Presidente Civil, Prudente de Morais, anistiou apenas Oficiais das Forças Armadas, que participaram dos conflitos ocorridos durante a implementação da República Brasileira, por se tratar de uma relação injusta, tal fato fora questionando por Rui Barbosa, diante do evidente impropério.
Todo período militar e pós ditadura também protagonizou fatos que motivaram lançar mão da anistia, tanto que há no corpo da Constituição Federal os Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, que concede anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, pelos Decretos Legislativos nº 18, de 15 de dezembro de 1961 e nº 864, de 12 de dezembro de 1969. Os que, por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então Presidente da República, poderão requerer ao Supremo Tribunal Federal o reconhecimento dos direitos e vantagens interrompidos pelos atos punitivos, desde que comprovem terem sido estes eivados de vício grave.
Agora, em decorrência das arbitrariedades relacionados à competência e ao comprometimento ao devido processo legal, ao duplo grau de jurisdição e ao contraditório e ampla defesa de procedimentos em trâmite e/ou julgados pelo STF originariamente, que envolvem fake news e os atos criminosos do dia 08 de janeiro de 2023, busca-se, pela anistia, uma forma de resolver o problema. Fica evidente, que a anistia neste caso, solucionará apenas o efeito do problema, mas não a causa.
Um outro problema, na minha opinião, é a subjetividade da proposta, segundo o projeto em tramite na CCJ, a anistia será concedida a quem não se tenha provas de que comentou nenhum crime, pois os crimes comprovadamente cometidos não serão anistiados. Pois bem, e como ficam àqueles que ainda estão sendo investigados, os financiadores, os supostos líderes (sejam eles de direita ou de esquerda), serão perdoados pelo esquecimento? E quem foi condenado injustamente, não só criminalmente, mas também a reparar o dano? Não se pode olvidar que a anistia não atinge as perdas e danos, esse vai arcar com o prejuízo financeiro de uma condenação injusta mesmo assim.
Enfim, juridicamente há inúmeros questionamentos, o que exprime ser necessário toda cautela. A situação não depende apenas de mera votação e aprovação de lei em plenário da Casa Legislativa, para essa situação, a indulgentia principis requer circunspectos legais e hermenêuticos precisos, sob pena de haver uma judicialização; e na hipótese do STF corrigir eventual erro, tornar-se inócuo toda essa discussão, ou reduzi-la a mero embate político e ideológico.