
O uso excessivo das mídias sociais tem gerado preocupações quanto aos transtornos mentais em crianças, jovens e adolescentes. Estudos apontam correlação direta entre o consumo de conteúdo digital e quadros de ansiedade, depressão e baixa autoestima. Mas até onde as empresas de mídia social podem ser responsabilizadas por isso?
Muitas vezes confundidos, os termos “redes sociais” e “mídias sociais” não são sinônimos. Enquanto as redes sociais são ambientes de interação mais restrita, voltadas ao contato entre membros previamente conectados, as mídias sociais ampliam a possibilidade de exposição, permitindo que cada usuário compartilhe conteúdos com milhões de outros perfis sem nenhum vínculo prévio.
Plataformas como Facebook, Instagram, TikTok e até mesmo o YouTube são exemplos desse fenômeno, hoje potencializado pela inteligência artificial e por algoritmos que direcionam conteúdos específicos aos usuários com base no comportamento e no interesse de cada um, ampliando o alcance de tudo o que é postado e aumentando também o risco de exposição a conteúdos prejudiciais, especialmente para o público jovem. E é justamente nessa faixa etária que se mostram mais preocupantes os efeitos decorrentes do mau uso e da falta de supervisão parental.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 10% das crianças e adolescentes em todo o mundo apresentam algum transtorno mental, estando entre os diagnósticos mais comuns a depressão, a ansiedade, o TDAH e os distúrbios alimentares, o que impacta diretamente no desempenho escolar, nas relações sociais e no desenvolvimento biopsicossocial.
Um levantamento feito por J. M. Twenge e W. K. Campbell, no estudo Associations between screen time and lower psychological well-being among children and adolescents: Evidence from a population-based study [Associações entre tempo de tela e menor bem-estar psicológico entre crianças e adolescentes: evidências de um estudo populacional], mostra que adolescentes que passam sete horas ou mais por dia nas mídias sociais têm o dobro de chances de apresentar quadros de depressão quando comparados aos que as utilizam por uma hora ou menos.
Outros estudos também mostram que a associação entre a dependência de smartphones e tablets está ligada ao crescimento de comportamentos disfuncionais e até suicidas, reforçando o alerta da comunidade médica-psiquiátrica para a saúde mental dos jovens. Esse cenário acende uma discussão cada vez mais urgente: até que ponto as empresas de mídia social devem ser responsabilizadas pelos danos decorrentes de seus serviços?
De um lado, há quem argumente que as plataformas oferecem ferramentas de segurança e orientações de uso responsável, cabendo aos usuários e seus responsáveis legais a supervisão final; de outro, cresce a percepção de que tais medidas são insuficientes diante do poder dos algoritmos e da ausência de mecanismos eficazes de prevenção, afinal, a lógica do engajamento, que mantém o usuário conectado, é a mesma que expõe crianças e adolescentes a comparações sociais lesivas, cyberbullying e à pressão por padrões inalcançáveis de vida e aparência.
Do ponto de vista jurídico, a responsabilização civil das empresas de mídia social exige a comprovação de nexo causal entre o uso das plataformas e o transtorno mental, algo difícil diante da multiplicidade de fatores envolvidos que, na prática, esbarra em desafios jurídicos e regulatórios, pois embora existam legislações como o Marco Civil da Internet e o Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda há lacunas significativas quanto à proteção da saúde mental no ambiente digital.
É preciso considerar também que muitos jovens sequer têm a consciência dos riscos a que estão expostos, diferentemente de produtos como o tabaco e o álcool, cujo consumo nocivo é amplamente divulgado.
Portanto, o debate sobre os impactos das mídias sociais na saúde mental infanto-juvenil não se resume à regulamentação das mídias sociais (tema que vem sendo discutido e gera polêmicas e controvérsias no país), mas sim sobre aspectos éticos e sociais, onde principalmente os pais e tutores devem ser conscientizados dos malefícios da exposição de seus filhos às plataformas de mídia social.
Ainda assim, é importante salientar que o dever de supervisão não deve recair apenas sobre os pais e educadores, que muitas vezes mostram estar despreparados para lidar com a velocidade das mudanças tecnológicas. É fundamental o reconhecimento da solidariedade das plataformas de mídia social no dever de zelo da saúde mental dos seus usuários a fim de mitigar estes danos que hoje afetam a estrutura social como um todo, garantindo que o ambiente virtual seja um espaço de crescimento e não de adoecimento.
E sim, é inegável que as plataformas oferecem benefícios, como acesso à informação, expressão pessoal e conexão social, porém é igualmente evidente que tais ganhos estão acompanhados de riscos que não podem mais ser ignorados.
Por isso políticas públicas e, sobretudo, a conscientização coletiva são passos indispensáveis para proteger uma geração que cresce conectada, mas que também está mais vulnerável ao desenvolvimento precoce de transtornos mentais.
Mais do que nunca, a sociedade precisa refletir: estamos criando ferramentas para a liberdade ou para a dependência? A resposta para essa pergunta pode definir o futuro da saúde mental das próximas gerações.
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Tiago Gallina Waldameri é advogado, formado em Direito pela Unicuritiba, com inscrição na OAB/PR e na OAB/SC. Ao longo de sua trajetória, integrou diferentes esferas do meio jurídico, incluindo estágios no Tribunal de Justiça do Paraná e atuação em renomados escritórios de advocacia em Curitiba. Atualmente trabalha como advogado no Escritório Waldameri, Cavalli e Advogados Associados, em Chapecó/SC. Pós-graduando em Advocacia na Prática e com participação ativa em comissões da OAB, preza pela defesa dos direitos fundamentais no âmbito empresarial.