São 39 anos e desde sua fundação em 1985, o Bolicho do Gaudério tornou-se uma referência fundamental para o movimento tradicionalista gaúcho em Chapecó. Criado por Nédio Vani, um apaixonado pela cultura do Rio Grande do Sul, o estabelecimento foi concebido com um propósito claro: não apenas comercializar artigos gaúchos, mas servir como um centro de fomento e preservação das tradições gaúchas. Hoje, mesmo após o falecimento de Nédio, em 7 de janeiro de 2021, o Bolicho segue vivo através do trabalho de sua esposa, Elisa Aparecida Peruzzi Sperry Vani, e dos filhos Nediez Vani e Cristiano Sperry Vani, que continuam a manter o legado cultural iniciado por ele.
Em entrevista, Elisa detalha a trajetória e a importância do Bolicho do Gaudério, que desde sua criação foi muito além de uma loja de artigos gaúchos. “Quando o Nédio abriu a loja, a proposta dele era fomentar a cultura gaúcha tradicionalista e nativista. Ele trouxe muitos cantores nativistas para Chapecó, como Osvadir e Carlos Magrão, que são padrinhos da nossa filha”, relembra Elisa. Ela destaca que, naquela época, os artistas muitas vezes ficavam hospedados na casa da família, já que o apoio ao movimento cultural ia além do simples patrocínio – era uma amizade genuína e um compromisso com a causa gaúcha.
O envolvimento de Nédio com o tradicionalismo não se limitava à loja. Ele foi responsável por organizar a primeira cavalgada da cidade, que partiu de Chapecó em direção a Soledade. Além disso, ele promoveu diversos festivais de música nativista, sendo o “Encontro dos Tauras” um dos mais destacados. Esse evento anual trazia grandes nomes da música gaúcha à cidade, ajudando a difundir a cultura e a manter viva a tradição. Elisa ressalta que “a preocupação do Nédio era incentivar o crescimento do movimento tradicionalista, e nós, como loja, acompanhamos esse movimento”.
Com o passar dos anos, o Bolicho do Gaudério se destacou também pelo atendimento único e personalizado, que reflete o calor humano da cultura gaúcha. Elisa conta que o estabelecimento nunca se expandiu para outras unidades, pois a essência familiar e acolhedora poderia se perder. “Quando alguém compra uma cuia de chimarrão, fazemos questão de preparar o chimarrão na hora, para garantir que tudo está perfeito. Testamos a cuia, a bomba, e oferecemos a bebida pronta para a pessoa experimentar. Esse cuidado é raro de encontrar em lojas de rede”, afirma. Esse atendimento próximo e cuidadoso é o que faz do Bolicho um lugar único em Chapecó, atraindo não apenas moradores locais, mas turistas de várias partes do Brasil e do mundo.
O Bolicho do Gaudério se transformou em um ponto de encontro cultural. Todos os meses, Elisa organiza eventos com música ao vivo, onde artistas locais e regionais se apresentam. Esses encontros reforçam a proposta original do Bolicho: preservar e promover a cultura gaúcha. Um dos talentos apoiados pela loja é a jovem Letícia Mazzon, que começou a cantar no Bolicho e hoje já trilha seu caminho na música sertaneja, com participações em gravações em Goiânia. “A Letícia começou cantando aqui e, graças ao apoio do Bolicho, ela teve a oportunidade de ser vista por um empresário que a levou para Goiânia. Ver esses talentos crescerem é muito gratificante para nós”, conta Elisa.
O trabalho de promoção cultural também ocorre fora da loja. A família Vani possui um galpão no Parque Farroupilha, em Chapecó, onde semanalmente organiza jantares com música ao vivo, declamações e rodas de conversa. Elisa explica que esses eventos são abertos ao público e criam um ambiente saudável e familiar, onde todos são bem-vindos, independentemente de gênero ou idade. “É um espaço onde homens e mulheres podem vir sozinhos, sem preocupação, e encontrar um ambiente de respeito e valorização da cultura gaúcha. As pessoas participam de jantas, ouvem música, declamações e, assim, mantemos viva a nossa tradição”, afirma.
Outro marco importante na história do Bolicho foi a organização da Cavalgada do Batom, a primeira cavalgada exclusivamente feminina de Chapecó. Em parceria com a Rádio Índio Condá, o evento reuniu mais de 30 mulheres, vestidas com trajes tradicionais, que cavalgavam pelas ruas da cidade enquanto os homens seguiam de carro para oferecer suporte. Elisa conta que a cavalgada foi um marco na história do tradicionalismo local e, posteriormente, a loja organizou várias outras cavalgadas que se tornaram eventos importantes na cidade. “As cavalgadas femininas eram sempre uma oportunidade de reunir famílias, dançar e manter as tradições. Organizávamos matinês à tarde, onde as crianças dançavam com seus pais. Era um tempo em que o celular ainda não dominava a vida das pessoas, então havia uma conexão maior entre todos”, relembra com saudade.
Além do impacto cultural e turístico, o Bolicho do Gaudério também se adaptou às demandas do mercado, incorporando uma linha de produtos country e sertanejos em resposta ao crescimento desse movimento no Brasil. Chapéus, botas, cintos e roupas country passaram a fazer parte do portfólio da loja, ampliando ainda mais o público. “A cultura sertaneja também faz parte da nossa história, e muitos artistas sertanejos que começam a carreira aqui encontram no Bolicho um ponto de apoio. Recentemente, o cantor Matheus Henrique veio à loja e eu dei a ele um chapéu de presente para incentivá-lo em sua carreira”, conta Elisa, mostrando o quanto o Bolicho também apoia o cenário musical emergente.
O Bolicho do Gaudério, portanto, não é apenas uma loja de artigos gaúchos. Ele é um símbolo de resistência cultural, de acolhimento e de incentivo a novos talentos. O trabalho incansável de Elisa e sua equipe – composta por funcionários que já estão há mais de 20 anos na loja – é movido pelo amor ao tradicionalismo e pelo desejo de manter viva a chama da cultura gaúcha. “Enquanto eu estiver aqui, o Bolicho do Gaudério continuará sendo esse espaço de preservação da nossa história. Pequenos atos de amor pela cultura fazem toda a diferença, e acredito que esse seja o nosso propósito”, conclui Elisa.
A história do Bolicho do Gaudério é a prova de que a cultura, quando cultivada com paixão, se torna um legado que atravessa gerações. Desde o apoio a artistas iniciantes até o resgate das tradições em cada detalhe, o Bolicho continua sendo um ponto de referência não apenas para Chapecó, mas para todos que amam e respeitam a cultura gaúcha.