domingo, novembro 24, 2024
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STJ: consumidor com nome negativado não pode ser impedido de contratar plano de saúde

Decisão destaca a importância do acesso à saúde e estabelece precedente sobre a função social dos contratos no setor.

Foto: Divulgação

Em um julgamento recente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por sua Terceira Turma, decidiu no REsp n. 2.019.136/RS [1] que a negativação do nome de uma pessoa nos cadastros de proteção de crédito não é motivo válido para um plano de saúde recuse a contratação com ele.

A controvérsia surgiu quando uma consumidora, cujo nome estava negativado nos órgãos de proteção ao crédito, teve sua solicitação de adesão a um plano de saúde negada pela operadora. A consumidora, então, acionou a justiça alegando que a recusa era abusiva. O caso chegou ao STJ por recurso da operadora do plano de saúde, após decisões favoráveis à consumidora nas instâncias ordinárias.

Decisão do STJ

A decisão foi tomada por maioria de votos. A Ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, apresentou voto desfavorável à consumidora. A ministra entendeu que a contratação plano de saúde pode ser recusada pela operadora quando o consumidor estiver com seu nome nos cadastros de restrição de crédito, salvo se a contratação for feita mediante pronto pagamento, algo incomum nos contratos em questão. A relatora entendeu que essa prática estaria permitida pelo art. 39IX do Código de Defesa do Consumidor ( CDC) e por precedentes do STJ, como o REsp 1.594.024/SP [2].

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“No caso em exame, o simples fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido.”

“Ao submeter-se ao mercado de consumo, o fornecedor não pode se recusar, sem justa causa, a prestar os produtos e serviços oferecidos. e na situação em tela, com todo respeito, não parece justa causa o simples temor, ou presunção indigesta, de futura e incerta inadimplência do preço.”

No entanto, o voto da relatora foi vencido pela visão dos demais ministros da turma. O Ministro Moura Ribeiro apresentou um voto-vista que reverteu a direção do julgamento, argumentando firmemente contra a recusa da operadora. Ele destacou que a saúde é um serviço essencial e que a negativação por si só não deveria impedir o acesso a tais serviços.

O ministro foi assertivo:

Por fim, foi explicado que a liberdade de contratar está limitada pela função social do contrato, que é ainda mais proeminente nos casos de serviços essenciais, como os de saúde.

Nas palavras do Ministro Moura Ribeiro: “Nessas condições, portanto, negar o direito à contratação de serviços essenciais constitui evidente afronta à dignidade da pessoa, além de incompatível com os princípios do Código de Defesa do Consumidor ( CDC).”

Os ministros consideraram que o precedente citado pela Ministra Relatora não se aplicaria ao caso, pois nele foi discutida a contratação de seguros em geral, que em regra protegem o patrimônio. Aqui, estava sendo discutida a contratação de seguro-saúde e de planos de saúde, que tutelam bem jurídico de relevância mais acentuada e podem ser considerados serviços essenciais [3]. Assim, não seria aplicável integralmente o art. 39IX do CDC.

Recusa do fornecedor em prestar serviço ao consumidor que se proponha a adquiri-lo mediante pronto pagamento (art. 39IX do CDC). Prática abusiva

A norma do art. 39, inciso IX do CDC [4] proíbe o fornecedor de recusar a venda ou prestação de serviços a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento.

Assim, em regra, nos casos em que não é feito o pagamento antecipado, o fornecedor poderia recusar a prestação do serviço. Nos contratos de plano de saúde, contudo, o pagamento antecipado da totalidade do contrato não é comum. Tal pagamento ocorre mediante prestações mensais (principalmente quando envolvem o pagamento de coparticipação e franquia pelo titular).

Nesses casos, exigir do consumidor com nome negativado o pagamento antecipado como condição para contratação, seria impor uma desvantagem manifestamente excessiva, prática também vedada pelo CDC, em seu art. 39V.

Assim, tendo em vista a essencialidade dos serviços e o fato de que os contratos de plano de saúde já possuem em sua estrutura legal a devida proteção contra inadimplemento (art. 13, parágrafo único, II, da Lei nº 9.656/1998 [5]), o art. 39IX do CDC não seria aplicável para condicionar a sua contratação ao pagamento antecipado.

Função social do contrato

A liberdade de contratar, conforme estabelecido no artigo 421 do Código Civil [6] ( CC), deve ser exercida nos limites da função social do contrato.

Este princípio implica que os contratos não devem apenas atender aos interesses privados das partes envolvidas, mas também considerar os impactos sociais e coletivos de suas estipulações, prestigiando valores caros para a coletividade, como a dignidade da pessoa humana.

Na prática, isso significa que, ao formular, interpretar e executar contratos, deve-se levar em conta não somente os benefícios para as partes contratantes, mas também as consequências para a comunidade e para o ambiente social em geral. Este princípio é particularmente relevante em setores essenciais como saúde, educação e habitação, em que as condições contratuais podem ter ainda mais amplas repercussões na sociedade.

Assim, a função social do contrato serve como um balizador para garantir que a autonomia privada não sobreponha necessidades sociais mais amplas, sempre promovendo justiça e bem-estar social geral e individual na interação entre os contratantes internamente e entre eles e o meio social em que inseridos.

Importância do precedente analisado

A decisão aqui analisada é importantíssima para o direcionamento dos marcos interpretativos dos contratos de consumo de serviços essenciais. E, embora não possua efeito vinculante para outros casos, a clareza e o poder persuasivo dos seus argumentos devem influenciar decisões de tribunais e juízes em todo o Brasil.

Julgados em Referência

REsp n. 2.019.136/RS

REsp 1.594.024/SP


[1] CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INEXISTÊNCIA. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. RECUSA DA OPERADORA DE CONTRATAR PLANO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BENEFICIÁRIA COM RESTRIÇÃO EM ÓRGÃO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O cerne da controvérsia, levantada no nobre apelo, cinge-se em definir se há ofensa aos arts. 489§ 1ºIV, e 1.022II, ambos do CPC, e se a UNIMED está autorizada a negar a contratação de plano de saúde com quem está com o nome negativado em órgão de restrição de crédito. 2. Não há que se falar em omissão ou negativa de prestação jurisdicional, na medida em que o Tribunal gaúcho, clara e fundamentadamente, dirimiu as questões que lhe foram submetidas. 3. Nos contratos de consumo de bens essenciais como água, energia elétrica, saúde, educação etc, não pode o fornecedor agir pensando apenas no que melhor lhe convém. A negativa de contratação de serviços essenciais constitui evidente afronta à dignidade da pessoa, sendo incompatível ainda com os princípios do Código de Defesa do Consumidor ( CDC). 4. O fato de o consumidor registrar negativação nos cadastros de consumidores não pode bastar, por si só, para vedar a contratação do plano de saúde pretendido. 5. A prestação dos serviços sempre pode ser obstada se não tiver havido o pagamento correspondente. Assim, exigir que a contratação seja efetuada apenas mediante “pronto pagamento”, nos termos do que dispõe o art. 39IX, do CDC, equivale a impor ao consumidor uma desvantagem manifestamente excessiva, o que é vedado pelo art. 39, V, do mesmo diploma. 6. No caso, ademais, não se está diante de um produto ou serviço de entrega imediata, mas de um serviço eventual e futuro que, embora posto à disposição, poderá, ou não, vir a ser exigido. Assim, a recusa da contratação ou a exigência de que só seja feita mediante “pronto pagamento”, excede aos limites impostos pelo fim econômico do direito e pela boa-fé (art. 187 do CC/02). 7. Enfim, a contratação de serviços essenciais não mais pode ser vista pelo prisma individualista ou de utilidade do contratante, mas pelo sentido ou função social que tem na comunidade, até porque o consumidor tem trato constitucional, não é vassalo, nem sequer um pária. 8. Recurso especial desprovido. ( REsp n. 2.019.136/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 7/11/2023, DJe de 23/11/2023.)

[2] RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERESSE DE AGIR. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. CONFIGURAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. RELEVÂNCIA SOCIAL QUALIFICADA. SEGURO. CONSUMIDOR. RESTRIÇÃO DE CRÉDITO. CONTRATAÇÃO E RENOVAÇÃO. PAGAMENTO À VISTA. SEGURADORA. RECUSA DE VENDA DIRETA. CONDUTA ABUSIVA. CONDENAÇÃO GENÉRICA. EFEITOS ERGA OMNES. ABRANGÊNCIA. TERRITÓRIO NACIONAL. DIVULGAÇÃO. REDE MUNDIAL DE COMPUTADORES. PÁGINAS OFICIAIS E DO FORNECEDOR. SUFICIÊNCIA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público estadual visando compelir seguradora a se abster de recusar a contratação ou a renovação de seguro a quem se dispuser a pronto pagamento, ainda que possua restrição financeira junto a órgãos de proteção ao crédito. 3. Não há falar em negativa de prestação jurisdicional se o tribunal de origem motiva adequadamente sua decisão, solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entende cabível à hipótese, apenas não no sentido pretendido pela parte. 4. O Ministério Público está legitimado para promover a tutela coletiva de direitos individuais homogêneos, mesmo de natureza disponível, quando a lesão a tais direitos, visualizada em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a comprometer relevantes interesses sociais. Na hipótese, consideradas a natureza e a finalidade social das diversas espécies securitárias, há interesse social qualificado na tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos dos consumidores, alegadamente lesados por prática abusiva do ente segurador. 5. Nas relações securitárias, a interpretação do art. 39IX, do CDC é mitigada, devendo sua incidência ser apreciada concretamente, ainda mais se for considerada a ressalva constante na parte final do mencionado dispositivo legal e a previsão dos arts.  e 10 do Decreto-Lei nº 73/1966. 6. Existem situações em que a recusa de venda se justifica, havendo motivo legítimo o qual pode se opor à formação da relação de consumo, sobretudo nas avenças de natureza securitária, em que a análise do risco pelo ente segurador é de primordial importância, sendo um dos elementos desse gênero contratual, não podendo, portanto, ser tolhido. Aplicabilidade do art. 2º, § 4º, da Circular SUSEP nº 251/2004, que estabelece ser obrigação da seguradora, no caso de não aceitação da proposta de seguro, proceder à comunicação formal, justificando a recusa. 7. No que tange especificamente à recusa de venda de seguro (contratação ou renovação) a quem tenha restrição financeira junto a órgãos de proteção ao crédito, tal justificativa é válida se o pagamento do prêmio for parcelado, a representar uma venda a crédito, a evitar os adquirentes de má-fé, incluídos os insolventes ou maus pagadores, mas essa motivação é superada se o consumidor se dispuser a pagar prontamente o prêmio. De qualquer maneira, há alternativas para o ente segurador, como a elevação do valor do prêmio, diante do aumento do risco, visto que a pessoa com restrição de crédito é mais propensa a sinistros ou, ainda, a exclusão de algumas garantias (cobertura parcial). 8. Os efeitos da sentença proferida em ação civil pública versando direitos individuais homogêneos em relação consumerista operam-se erga omnes para além dos limites da competência territorial do órgão julgador, isto é, abrangem todo o território nacional, beneficiando todas as vítimas e seus sucessores, já que o art. 16 da Lei nº 7.347/1985 (alterado pelo art. 2º-A da Lei nº 9.494/1997) deve ser interpretado de forma harmônica com as demais normas que regem a tutela coletiva de direitos. Precedentes. 9. Ao juiz é possível dar concretude ao princípio da publicidade dos atos processuais (arts. LX, da CF e 83 e 94 do CDC), determinando a adoção das técnicas que mais se compatibilizam com as ações coletivas. Suficiência da divulgação da decisão condenatória na rede mundial de computadores, notadamente em órgãos oficiais, bem como no sítio eletrônico do próprio fornecedor (art. 257II e III, do CPC/2015), a evitar o desnecessário dispêndio de recursos nas publicações físicas, sem haver o comprometimento de as informações atingirem grande número de interessados. 10. Recurso especial parcialmente provido. ( REsp n. 1.594.024/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/11/2018, DJe de 5/12/2018.)

[3] Do Voto-vogal do Ministro Humberto Martisn: “Em acréscimo, pela relevância desses serviços exaustivamente evidenciada neste voto, não há se aplicar a lógica jurídica delineada no REsp n. 1.594.024/SP (DJe de 5/12/2018) citado no voto da relatora, porque em tal caso se reconheceu a aplicação do art. 39 9 9 9, IX, do CDC C C, nas hipóteses de contratação de seguros em geral, que tutelam, em regra, o patrimônio, a merecer grau de proteção diverso aos contratos seguro-saúde e de plano de saúde, cujo bem da vida ao qual se busca proteção contratual possui, inequivocamente, maior relevância.”

[4] Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

[5] Art. 13. […]

Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas:

II – a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o qüinquagésimo dia de inadimplência; e

[6] Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato

Fonte: Jusbrasil

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