
Agosto trouxe um dado que, à primeira vista, causa estranheza: as vendas de veículos caíram 5,9% em relação a julho, segundo a Fenabrave, mesmo com o tão falado programa de IPI zero para os modelos mais acessíveis. Como explicar um recuo no consumo em plena vigência de um incentivo fiscal? A resposta está na complexa equação que envolve crédito caro, preços altos e a limitada efetividade de políticas que mexem pouco no bolso do consumidor.
De um lado, é inegável que o programa “Carro Sustentável” produziu algum efeito imediato. Nos primeiros dias, hatches populares como Fiat Argo, Mobi e Renault Kwid ganharam fôlego e subiram no ranking de emplacamentos. Mas, passada a euforia, a realidade se impôs: o desconto médio encolheu, os juros de financiamento seguem em patamares sufocantes — com a Selic a 15% ao ano e taxas ao consumidor beirando 28% — e o poder de compra das famílias continua comprimido. Em resumo, o IPI zero foi engolido pela matemática das parcelas.
Outro fator técnico pesou: agosto teve menos dias úteis que julho. Mas seria simplista atribuir toda a queda a isso. O que se vê é um sinal de que a indústria automotiva depende de estímulos mais estruturais do que um benefício fiscal pontual. Enquanto os fabricantes ajustam preços conforme a demanda e reduzem os próprios descontos, o consumidor fica numa espécie de “meio do caminho”: não sente o alívio prometido no bolso e adia a compra.
A fotografia do mercado também revela contrastes: enquanto modelos de entrada tiveram algum crescimento, veículos mais caros, como o Chevrolet Onix, despencaram nas vendas. Isso mostra que o incentivo não dialoga com todas as camadas do setor — e reforça a necessidade de políticas mais amplas, que incluam não apenas desoneração, mas também acesso a crédito e estímulos à mobilidade sustentável.
No acumulado do ano, as vendas ainda crescem 6,6% frente a 2024. Ou seja, o mercado está longe de uma crise. Mas a queda de agosto serve como alerta: se o governo e a indústria quiserem manter o ritmo, precisarão ir além de “puxadinhos” fiscais. O consumidor de hoje é mais cauteloso, mais informado e, sobretudo, mais endividado. Reduzir imposto ajuda, mas não resolve. O que falta não é vontade de comprar carro — é fôlego no orçamento para bancar as prestações.
No fundo, agosto deixou claro que o problema não está apenas no preço do carro, mas no custo de viver no Brasil. E, para esse desafio, não há IPI zero que dê conta sozinho.