
Nos últimos 12 meses, o Brasil voltou a ser palco de escândalos envolvendo emendas parlamentares. Milhões de reais destinados a hospitais, escolas e estradas se perderam entre notas frias, empresas de fachada e prefeitos coniventes. A corrupção, travestida de legalidade orçamentária, tornou-se um ciclo vicioso onde a política local se transforma em moeda de troca nacional.
É preciso encarar a realidade: o modelo atual de emendas parlamentares, especialmente as chamadas “emendas PIX” e os resquícios do famigerado “orçamento secreto”, continua operando com pouca transparência e ampla margem para desvio. Não faltam provas. Só nos últimos meses, a Polícia Federal já abriu mais de 40 inquéritos ativos, escancarando esquemas em estados como Maranhão, Mato Grosso, Bahia e Ceará.
Deputados, como Josimar Maranhãozinho (MA), viraram réus por cobrar propina de até 25% em troca da liberação de emendas. Prefeitos foram afastados. Licitações foram fraudadas. Equipamentos superfaturados. O modus operandi é antigo, mas continua funcionando, agora com aval disfarçado de dispositivos constitucionais e a omissão dos órgãos de controle.
A pergunta que o cidadão precisa se fazer é: por que aceitamos isso?
Por que a sociedade tolera um sistema em que parlamentares vendem favores com dinheiro que não é deles, mas nosso? Por que emendas servem mais para fidelizar bases eleitorais do que para resolver os problemas reais da população?
Há um cinismo institucionalizado em torno dessas práticas. Mesmo depois da decisão do STF que declarou inconstitucional o orçamento secreto, as emendas de relator (RP9) simplesmente migraram para outras rubricas, com nomes diferentes. Em vez de cortar o mal pela raiz, o sistema apenas mudou a embalagem.
Enquanto isso, a educação agoniza, a saúde sofre com falta de insumos e profissionais, e estradas continuam esburacadas. Mas tudo isso é varrido para debaixo do tapete, desde que o deputado consiga mandar uma retroescavadeira para o interior e posar para foto ao lado do prefeito.
Chegamos a um ponto em que o combate à corrupção perdeu glamour. Não se fala mais em moralizar, mas apenas em “melhorar a gestão das emendas”. Como se fosse possível “aperfeiçoar” um sistema criado para barganhar.
A esperança reside em dois caminhos. Primeiro, no fortalecimento das instituições de controle, como o TCU, a CGU e o Ministério Público. Segundo — e mais difícil — na pressão popular. A população precisa entender que cada centavo desviado em uma emenda é um prato de comida a menos, um leito hospitalar que não existe, um ônibus escolar que nunca chega.
Não há futuro para um país que normaliza a corrupção institucional. O Brasil não pode continuar sendo o lugar onde o crime compensa, desde que se vista com o terno certo e conheça o trâmite da emenda.
Se a política não for devolvida ao interesse público, seguiremos vítimas de um sistema onde o voto se compra, a impunidade se garante e a esperança se apaga — uma emenda por vez.