
Existe um número que deveria estar estampado em qualquer debate sério sobre anistia política no Brasil: aproximadamente R$ 16 bilhões. É esse o montante estimado que já saiu dos cofres públicos desde o início dos anos 2000 com indenizações, pensões especiais mensais, retroativos e reparações econômicas ligadas ao período da ditadura militar. Não se trata de uma despesa simbólica, eventual ou residual. Trata-se de uma estrutura permanente de pagamentos que consome, ano após ano, recursos que poderiam estar em saúde, educação e segurança pública.
Para entender o tamanho do problema, é preciso abrir esse número. Desde a regulamentação da reparação em 2002, foram aprovadas milhares de anistias com direito a pagamento. Só entre civis, mais de 10 mil pessoas já foram indenizadas ao longo desse período. A partir daí, formou-se um contingente estável de beneficiários contínuos: em 2023, por exemplo, havia mais de 6 mil pessoas recebendo mensalmente valores ligados à anistia. Esse fluxo não é pequeno: apenas em 2023, o gasto anual com essas reparações ficou em torno de R$ 1 bilhão, considerando civis e militares. Em outras palavras, a cada quatro anos de governo, essa política custa algo equivalente à construção de diversos hospitais de grande porte ou centenas de escolas bem estruturadas.
Dentro desse cenário, os nomes de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva assumem um papel emblemático. Dilma, reconhecida oficialmente como anistiada, recebeu R$ 100 mil em parcela única, além de decisões judiciais que ampliaram sua reparação por danos morais. Não se discute a violência sofrida — prisão e tortura são vergonhas históricas do Estado brasileiro. Mas a questão é objetiva: Dilma chegou à Presidência da República, comandou o Estado brasileiro e ainda assim recebeu indenização financeira desse mesmo Estado décadas depois. É legítimo perguntar se isso ainda é reparação histórica ou se já se transformou em privilégio institucionalizado.
Lula aparece nesse debate de outra forma. Ele foi beneficiado politicamente pela Lei de Anistia de 1979, que lhe permitiu retomar sua trajetória pública e chegar ao poder. Mesmo sem evidência de pensão mensal como anistiado político atualmente, o fato é que sob sua influência política — seja como líder, seja como presidente — a engrenagem de reparações foi mantida, ampliada e blindada moralmente. Enquanto isso, Lula acumula benefícios como ex-presidente, em um país onde a maioria dos trabalhadores sobrevive com renda muito inferior à do funcionalismo e dos beneficiários desse sistema.
Quando se coloca Lula e Dilma no centro dessa discussão, o debate deixa de ser abstrato. Falamos de pessoas que chegaram ao topo do poder e fazem parte de um sistema que, somado, já consumiu algo perto de R$ 16 bilhões. Falamos de uma estrutura que paga pensões mensais, muitas vezes vitalícias, concede retroativos altos, mantém milhares de beneficiários fixos e renova decisões de pagamento ano após ano. Não é apenas memória histórica; é uma despesa estruturada do orçamento público.
Os defensores das indenizações costumam bloquear a discussão com frases morais: “quem critica quer apagar a ditadura” ou “está relativizando a tortura”. É um atalho conveniente para evitar o debate central: qual é o limite financeiro, temporal e ético dessas indenizações? Porque, se por um lado é dever do Estado pedir desculpas e reconhecer crimes históricos, por outro é irresponsável transformar dor histórica em um fluxo perpétuo de dinheiro público — especialmente em um país que ainda falha em garantir cuidados básicos aos vivos do presente.
Há ainda um efeito colateral pouco discutido: criou-se desigualdade até dentro da reparação. Há indenizações modestas e há reparações milionárias. Há cidadãos comuns que receberam pouco e há figuras públicas — com poder político, influência e carreira de alto nível — que também se beneficiaram. Em muitos casos, a discussão deixou de ser “reconhecimento moral” e virou “quanto cada um conseguirá receber do Estado”.
Uma democracia adulta pode — e deve — reconhecer formalmente que o Estado errou. Pode — e deve — pedir desculpas públicas permanentes, ensinar nas escolas, preservar a memória e punir o autoritarismo no plano simbólico e institucional. Mas transformar isso em uma conta financeira de R$ 16 bilhões, que continua crescendo, que gera um gasto anual na casa de R$ 1 bilhão, e que mantém milhares de pensões ativas décadas após os fatos, é algo que precisa ser questionado com seriedade.
Lula e Dilma são os rostos políticos mais visíveis dessa engrenagem. E o contribuinte tem o direito — e talvez o dever — de perguntar: a reparação histórica já cumpriu seu papel ou o Brasil decidiu, simplesmente, pagar essa conta para sempre?






