
Os gastos fora da meta fiscal no governo Lula ultrapassam R$ 300 bilhões. Embora amparados por lei, acendem alerta sobre sustentabilidade e transparência das contas públicas.
A cifra é espantosa: R$ 324 bilhões em gastos “extra-teto” acumulados entre 2023 e 2025. O número, revelado por análises da Instituição Fiscal Independente e reportagens recentes, não é apenas um indicador contábil — é um termômetro do modelo fiscal adotado pelo terceiro governo Lula. Apesar de legalmente autorizadas, essas despesas fogem do espírito da responsabilidade fiscal, levantando preocupações legítimas sobre o futuro da economia brasileira.
Em um país que ainda carrega cicatrizes da recessão de 2015 e das incertezas da pandemia, a retomada do populismo fiscal — agora sob nova roupagem — soa como um déjà vu desconfortável. Em nome de agendas sociais e de reconstruções emergenciais (como o Rio Grande do Sul), o governo buscou brechas para manter sua máquina em ritmo acelerado, sem isso aparecer formalmente como rombo nas metas. O problema? É uma maquiagem contábil com cheiro de bomba-relógio.
Não se trata de negar a importância de políticas públicas inclusivas, tampouco de desprezar os desafios emergenciais. Mas há uma diferença abissal entre priorizar gastos sociais com responsabilidade e acomodar qualquer despesa sob o guarda-chuva da “excepcionalidade”. Quando quase tudo é exceção, a regra perde o valor.
A PEC da Transição, por exemplo, liberou R$ 145 bilhões logo no primeiro ano do novo governo. A justificativa era válida — manter programas como o Bolsa Família funcionando —, mas o efeito colateral foi claro: consolidou uma tendência de bypass fiscal que se repetiria com os precatórios e agora com os auxílios ao Rio Grande do Sul. Até 2025, estima-se que mais R$ 49 bilhões escapem da meta. Tudo isso com aval do Congresso e da Corte de Contas.
Alguns analistas dirão que a política fiscal se tornou mais “flexível”. Outros, mais realistas, afirmam: perdeu-se o compromisso com a previsibilidade. O novo arcabouço, que substituiu o antigo teto de gastos, estabeleceu limites mais brandos — crescimento limitado da despesa, mas com margem para exceções. E exceções, como se vê, são fartas.
A comparação com o governo Bolsonaro ajuda a contextualizar. Em seu mandato, gastos fora da regra fiscal somaram cerca de R$ 120 bilhões — valor que já gerava críticas. No Lula 3, esse montante quase triplica. Pior: sem perspectiva clara de ajuste futuro. O governo promete déficit zero, mas entrega déficits ampliados por medidas “contabilmente invisíveis”.
Em última instância, quem paga essa conta é o contribuinte. Seja pelo aumento da dívida pública, seja pelo encarecimento do crédito, ou ainda pela corrosão da credibilidade fiscal — um bem intangível, mas crucial para atrair investimentos e garantir estabilidade.
Não basta que os gastos sejam legais. Eles precisam ser sustentáveis, transparentes e parte de um plano de médio prazo. Quando um governo transforma o “extra” em regra e adia o ajuste estrutural, está apenas transferindo o problema para seu sucessor — ou para o bolso do cidadão.
Se Lula quer que seu terceiro mandato entre para a história como um ciclo de justiça social e crescimento econômico, precisará reencontrar o equilíbrio entre gasto e responsabilidade. Porque, do contrário, esse modelo fiscal generoso de hoje poderá se tornar o pesadelo fiscal de amanhã.