
O Oriente Médio voltou a arder — e com ele, os símbolos mais antigos da humanidade. Quando Israel batizou sua ofensiva aérea contra o Irã de “Operação Leão em Ascensão”, não escolheu o nome por acaso. Em tempos de guerra, cada metáfora é um recado; cada animal, um arquétipo. E o leão, neste caso, não é apenas força: é uma declaração moral e escatológica.
Com mais de 200 aeronaves envolvidas e alvos nucleares de alto valor atingidos, incluindo as bases de Natanz e Fordow, a operação representa mais do que uma ação cirúrgica. É uma mensagem. Israel se projeta como o leão que, segundo o Livro de Números, “não se deita até devorar a presa”. A narrativa não é de contenção. É de ascensão — militar, moral e histórica. Contra o quê? Contra o que Tel Aviv considera ser o espectro mais perigoso da região: o Irã revolucionário dos aiatolás, que por sua vez, rugiu de volta com mísseis e drones, reacendendo o que pode ser uma guerra aberta.
Mas vejamos o outro lado do símbolo.
Durante séculos, o Irã foi representado justamente pelo Leão e Sol, um emblema que combinava o poder terreno (o leão real) e o divino (o sol, iluminando a justiça). Esse símbolo foi extinto com a Revolução Islâmica de 1979, numa tentativa de apagar a monarquia e consolidar o poder teocrático. Hoje, ironicamente, o leão que ruge de Teerã não é o da tradição persa, mas sim o da retórica antiocidental, do nacionalismo messiânico e do expansionismo xiita.
Ou seja: os dois leões do Oriente Médio não são mais metáforas do mesmo mundo. O leão israelense quer proteger seu território e sua existência. O leão iraniano quer expandir sua influência, dobrar os joelhos de seus vizinhos e desafiar a ordem internacional com armas nucleares e guerras por procuração — do Líbano ao Iêmen.
A simbologia, neste caso, reflete bem o dilema: um leão em ascensão e outro, preso à tirania de sua própria ideologia. Um país que responde a ameaças com precisão tecnológica; outro, que reage com foguetórios e mártires. Um que clama pelo direito de existir; outro que ainda nega o Holocausto. Não há simetria.
A grande questão que paira sobre nós é: qual leão o mundo está disposto a alimentar?
A comunidade internacional, distraída por suas eleições e escândalos, tem hesitado em reconhecer o avanço silencioso — e agora, barulhento — de um regime iraniano que financia o Hezbollah, ataca navios no Golfo e reprime seu próprio povo com brutalidade. Israel, nesse contexto, age preventivamente. E não apenas por instinto, mas por sobrevivência.
O risco, claro, é que essa operação transforme um rugido em incêndio. Um erro de cálculo, uma retaliação desproporcional, um acerto no alvo errado. É o preço que se paga quando o mundo civilizado deixa de conter o leão da tirania e obriga o leão democrático a agir sozinho.
No fim, o que está em jogo não é apenas o programa nuclear iraniano. É a definição de quem pode — ou não — invocar o leão como símbolo de justiça. E nesta disputa, não basta rugir mais alto. É preciso rugir com razão.