
Agosto trouxe um dado incômodo: 30,4% das famílias brasileiras estão com contas em atraso, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (PEIC), da CNC. É o maior índice da série histórica iniciada em 2010. Mais do que uma estatística, o número revela a face de uma crise silenciosa, que corrói o consumo, ameaça a economia e fragiliza lares em todo o país.
O peso no dia a dia das famílias
Na prática, isso significa menos espaço no orçamento para o básico. Cada parcela atrasada gera juros, multas e renegociações, drenando recursos que poderiam ser destinados a alimentação, saúde ou educação. Para 12,8% das famílias, a situação é ainda mais dramática: simplesmente não há condições de pagar as dívidas acumuladas.
Efeitos em cadeia no consumo e no varejo
O consumo, motor do PIB, perde tração. Varejistas relatam retração em bens duráveis e maior preferência por compras à vista ou parcelamentos curtos. O índice de Intenção de Consumo das Famílias caiu 0,3% em agosto, sinal de que até quem não está inadimplente já sente o ambiente de cautela. O resultado é um varejo menos aquecido, menos empregos e um círculo vicioso difícil de romper.
O crédito encarece e se retrai
Do lado dos bancos, a resposta é previsível: spreads maiores, prazos encurtados e limites reduzidos, especialmente no cartão de crédito, usado por mais de 84% dos endividados. Mesmo com o teto de 100% no rotativo, a tendência é de seleção mais rígida e menos acesso. O crédito, que poderia ser um alívio, torna-se escasso — e caro.
Risco para a economia
Se as famílias não consomem, a engrenagem da economia emperra. O impacto não é apenas sobre lojistas, mas sobre toda a cadeia: indústrias, transportes, serviços. Menos compras significam menos produção, menos investimento e, em última instância, menos crescimento. Em paralelo, concessionárias de serviços essenciais já reportam aumento de atrasos em água, luz e gás — um retrato cruel da vulnerabilidade social.
E agora?
Diante desse quadro, duas agendas se tornam urgentes. A primeira é de educação financeira e renegociação responsável: programas de feirões, mutirões e a aplicação efetiva da Lei do Superendividamento precisam sair do papel em escala. A segunda é macroeconômica: reduzir de forma consistente o custo do crédito e criar condições reais para que o orçamento das famílias respire.
Ignorar os sinais seria um erro estratégico. A inadimplência recorde não é apenas o drama de quem deixou de pagar uma fatura do cartão; é um sintoma de fragilidade estrutural que ameaça o presente e compromete o futuro da economia brasileira.