
Existe algo de profundamente antissocial — e politicamente revoltante — no recuo do governo em tributar bets (casas de apostas) enquanto se eleva o imposto sobre os investimentos. O mote era simples: “quem lucra mais, pague mais”. Mas o projeto virou um festival de privilégios, proteções e concessões. E isso joga uma pá de cal no discurso de equidade tributária.
A contorsão política — proteger apostas, penalizar poupadores
Na Medida Provisória 1.303/2025, originalmente o governo previa elevar a alíquota para bets de 12 % para 18 % sobre a receita bruta (menos prêmios). Mas, após negociações intensas e resistências políticas, esse aumento foi retirado pelo relator da comissão, deputado Zarattini. A justificativa? “Manter a viabilidade da MP”. Ou seja: recuar para garantir que a MP – com todos seus outros ajustes — não morresse antes de chegar ao Congresso.
Enquanto isso, na contramão, aprova-se um IR unificado de 18% para investimentos financeiros (CDB, Tesouro, fundos, JCP etc.). Investimentos que são legados de cultura de poupança, motor de capitalização privada, de formação de patrimônio.
E mais: produtos que historicamente beneficiam a pessoa física, como LCI e LCA, conseguem sobreviver — por ora — à sanha tributária. Mas isso se torna um consolo de pobre: “bom, ainda podemos aplicar em LCI e LCA”. Sim, ainda assim tiram do restante do portfólio. É como dizer: “vou mexer no imposto dos ricos, mas não nos amigos do poder”.
“Programa de regularização” para apostas — uma bomba embutida
Mesmo sem elevar a alíquota, o relator inseriu uma espécie de “acerto de contas” retroativo: o chamado RERCT Litígio Zero Bets. Ele propõe tributar receitas ocultas de apostas entre 2014 e 2024, com multa e imposto de 15% mais 100% de multa — numa variação de sanção que estimam gerar R$ 5 bilhões. Ora, isso parece se aproximar mais de leniência do que justiça fiscal: “vou deixar você voltar atrás e pagar, com penalidade, mas não te quebro”.
Para empresas que trabalharam no vácuo regulatório — algo que o Estado tolerou, autorizou, facilitou — impor tributos retroativos é terreno deslizado para disputas judiciais e insegurança. Critérios arbitrários, ajustes de tabela, base de cálculo contestável… vai dar trabalho. E quem sai perdendo? O cidadão comum que investe — porque será ele quem terá de arcar com o custo político desse arranjo.
A lógica do incentivo seletivo
Se jogarmos uma lente crítica, veremos que isso tem aparência clara de privilégio setorial. O setor de apostas tem forte lobby, com apelo midiático e interesse econômico pesado. Já o investidor — um assalariado com plano B — não tem voz nos corredores do poder.
A escalada tributária sobre investimentos funciona como redistribuição regressiva: sangra quem já poupou, empurra para quem depende de renda ativa e consome. A pretexto de “reformar” o sistema tributário, está-se penalizando justamente o ato virtuoso do cidadão que reserva parte da renda para o futuro.
Um apelo entre ironia e urgência
É vergonhoso. Injusto. Absurdo. Defender isso em qualquer debate público exige uma catarse de retórica: “sim, vamos tributar investimento”, “sim, é justo”, “mas o outro setor você protege?”.
Agora cabe ao Congresso — Câmara e Senado — exercer seu papel. Cabe aos opositores, às vozes independentes, às associações de investidores, aos influenciadores econômicos, às colunas de opinião. É hora de pressionar: derrubem esse crime tributário.
Será um embate duro. A MP caduca em 8 de outubro de 2025; qualquer alteração será decisiva. Se aprovarem esse texto:
- teremos um precedente brutal: punir quem investe, proteger quem aposta.
- criaremos mais insegurança jurídica com tributos retroativos.
- reforçaremos a percepção de que o Estado aproveita brechas legais para privilegiar setores.
Se conseguirmos reverter essa aberração — e ainda há tempo — será uma vitória simbólica e real: a manutenção da dignidade de quem poupa.
Ora-se, mobiliza-se, debate-se — porque, se quem investe for tratado como vítima, quem aposta será tratado como protegido. E isso, além de absurdo, é indigno.






