
Quando duas forças nacionais se unem, espera-se que o resultado seja mais força, maior alcance, economia de escala. É exatamente esse o discurso de bastidor da fusão entre Marfrig e BRF, que deu origem à MBRF. Mas sob a cortina de confiança aos investidores, pulsa uma pergunta crítica: a quem esse movimento realmente favorece — e quem acaba pagando o preço?
A operação foi anunciada com pompa: em maio de 2025, Marfrig comunicou que assumiria a totalidade da BRF via incorporação, na troca de ações — cada ação da BRF valendo 0,8521 ação da Marfrig. As receitas combinadas chegam a cerca de R$ 150 bilhões, com atuação global.
Redução de cargos: eficiência ou fragilização do trabalhador?
Entre os anúncios de sinergia — ganhos de R$ 320 a 485 milhões por ano, segundo estimativas de unificação de processos e estruturações fiscais — está a eliminação de aproximadamente 1 000 empregos no Brasil, focados em funções administrativas e de apoio. Esta informação foi divulgada como parte do plano de integração da nova companhia.
Para a empresa, trata-se de “racionalização” inevitável. Para os trabalhadores, pode significar instabilidade, ruptura de carreira, impacto local de cidades onde havia unidades administrativas. E para a economia regional, representa perda de renda, menor dinamismo em centros secundários.
Concorrência e soberania alimentar: risco de concentração
Mais do que limpagem de custos, a fusão coloca o Brasil sob o risco de uma estrutura empresarial ainda mais concentrada no setor de proteínas animais. Como já apontavam especialistas, a união reforça um oligopólio: nos últimos 20 anos, o setor de carnes vem se agrupando em grandes grupos. A operação aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) sem restrições alegou que a sobreposição horizontal é inferior a 20%. Mas a questão vai além dos números: envolve impacto sobre produtores, consumidores e o abastecimento interno.
E os efeitos tendem a ser duplos.
Positivo: a escala global, combinando marcas como Sadia, Perdigão e outras, permite maior penetração internacional, produção combinada, uso de sinergias logísticas. Para o investidor, a promessa de ganhos e retorno maior.
Negativo: menor diversidade de fornecedores, maior poder de barganha da nova corporação frente ao produtor, risco de que economias sejam extraídas do elo mais fraco da cadeia — ou seja: trabalhadores, fornecedores menores, regiões fora dos grandes centros.
A lógica do “ganha-ganha” não pode silenciar o “ganha-a quem?”
Quando a MBRF anuncia a corte de ~1 000 vagas, está claro que “ganha” quem está acima da cadeia — acionistas, executivos, mercado de capitais. Mas onde estão os planos de ganho para quem está abaixo: trabalhadores que perdem emprego, municípios que dependem da empresa, produtores que poderão enfrentar nova pressão? A integração não pode ser só “menos custo = mais lucro”. Deve haver projeto claro de distribuição de valor.
Para a academia e para a gestão pública, alguns recados são urgentes:
- Transparência: as empresas devem publicar cronograma de desligamentos, composição geográfica, apoio à transição dos colaboradores.
- Região-cidade: municípios que abrigam operações da nova empresa precisam antecipar cenários de impacto e desenhar políticas de requalificação ou atração de novos investimentos.
- Produtor-fornecedor: com maior poder da companhia, o risco de pressão sobre custos e prazos sobe — daí a necessidade de políticas de apoio e cooperativas locais que equilibram a balança.
- Concorrência e abastecimento: o Estado precisa seguir atento ao efeito em cadeia — não basta olhar só para o corte de cargos, mas para como essa fusão afeta a oferta de alimentos acessíveis, a diversidade de marcas e a resiliência da cadeia.
A fusão MARFRIG-BRF é um marco indiscutível do agronegócio brasileiro. Nela, há ambição global, escala e promessa de ganhos. Mas também há desafio social, risco de concentração e custo humano que frequentemente fica fora da manchete. O corte de ~1 000 cargos não é apenas número: é símbolo de que “eficiência” corporativa pode caminhar ao lado da fragilização laboral, se não houver contrapartidas visíveis. No fim, o Brasil precisa perguntar: mais gigante, sim — mas para entregar mais valor à sociedade ou somente à bolsa de valores?







