
O Congresso Nacional encerra o ano com uma enxurrada de propostas que mexem simultaneamente com segurança pública, leis penais, organização do trabalho e combate à inadimplência estruturada. Cada uma dessas pautas impacta profundamente a vida do cidadão comum — mas, acima de tudo, revelam um Brasil inquieto, polarizado e tentando encontrar algum eixo entre punição, direitos e eficiência.
O problema é que, quando tudo avança ao mesmo tempo, o risco é enorme: atropelar debates essenciais, aprovar remendos apressados ou produzir soluções que resolvem um lado e criam novos problemas no outro.
A seguir, o que cada movimento revela sobre o momento político do país — e por que eles deveriam preocupar (ou animar) qualquer brasileiro atento.
- O PL da Dosimetria: o debate que virou atalho jurídico
A aprovação, pela Câmara, do projeto que altera o cálculo de penas para crimes contra o Estado Democrático de Direito virou símbolo de como a política interfere explicitamente na área penal.
A simplificação da pena para delitos como “golpe de Estado” e “abolição violenta do Estado Democrático” — que deixam de ser cumulativos — pode reduzir drasticamente condenações já aplicadas. Isso, por si só, já alimenta suspeitas de casuísmo.
O que deveria ser uma discussão técnica sobre proporcionalidade de penas virou uma queda de braço político, onde cada lado tenta puxar a balança para si. O resultado? Um país que troca segurança jurídica por conveniência momentânea.
- Fim da jornada 6×1: avanço trabalhista ou risco às empresas?
A aprovação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado de uma proposta que extingue a jornada 6×1 e institui carga máxima de 36 horas semanais tem impacto direto no setor de serviços, comércio e indústria.
Para os defensores, trata-se de uma atualização necessária: o modelo 6×1 é considerado desgastante, antiquado e desalinha o Brasil das boas práticas atuais de organização do trabalho.
Para os críticos, a proposta ignora a realidade operacional de setores que funcionam todos os dias da semana. O custo de reorganização pode ser pesado para empresas que já enfrentam margens apertadas.
O ponto central é outro: o Congresso ainda não apresentou estudos amplos que mostrem os impactos econômicos. E legislar no escuro quase sempre cobra um preço no futuro.
- O PL Antifacção: entre a firmeza necessária e o risco do exagero
O projeto que endurece o combate às facções criminosas sofreu modificações importantes no Senado após críticas contundentes de especialistas em política criminal.
O substitutivo tenta corrigir erros graves da versão original:
- falta de critérios para diferenciar líderes de integrantes periféricos;
- penas desproporcionais;
- risco de criminalização de cidadãos sem envolvimento real com organizações criminosas.
O país clama por firmeza contra o crime organizado — e ela é urgente. Mas firmeza sem precisão vira apenas excesso punitivo, alimentando superlotação carcerária e ampliando injustiças. A pergunta é simples: o Senado conseguirá entregar um texto forte sem ser irresponsável?
- PEC da Segurança: mais poderes e menos freios
A PEC da Segurança Pública reúne uma coleção de medidas que ampliam o poder de estados e municípios na execução de políticas penais, endurecem regras para presos e, de quebra, absorvem trechos do PL Antifacção.
O relator incluiu pontos sensíveis, como:
- vedação à progressão de regime para presos ligados a facções;
- restrições a presos provisórios;
- financiamento constitucional ampliado;
- autonomia legislativa reforçada aos estados.
O risco é transformar uma emenda constitucional em um pacote de emergência sem reflexão maior. Segurança pública merece prioridade — mas Constituição não é muro de contenção improvisado.
- Devedor contumaz: finalmente o país enfrenta a sonegação estruturada
O projeto que pune quem mantém dívidas tributárias elevadas e recorrentes é, talvez, a pauta mais madura deste conjunto. Ele separa o sonegador profissional — que usa empresas laranja, manobras societárias e litígios infinitos — do empresário que enfrenta dificuldades reais.
As medidas incluem perda de benefícios, impedimento de participar em compras públicas e até barreiras para recuperação judicial.
Trata-se de um avanço importante: o Brasil sempre foi duro com o pequeno inadimplente e suave com grandes sonegadores estruturados. A mudança é bem-vinda — desde que não vire instrumento de perseguição política ou fiscal.
O que tudo isso significa para o país
O conjunto dessas cinco pautas mostra um Brasil mais preocupado com segurança, mais intervencionista nas relações de trabalho, mais disposto a endurecer leis penais e mais agressivo no combate à inadimplência grave.
Mas também mostra um país legislando sob pressão, com pouco tempo para estudos técnicos e muita influência das disputas políticas.
O desafio é equilibrar:
- firmeza com proporcionalidade,
- modernização com viabilidade econômica,
- segurança com garantias individuais,
- arrecadação com justiça fiscal.
Se o Congresso conseguir isso, teremos avanço.
Se não conseguir, teremos apenas mais um ciclo de leis apressadas criadas para resolver emergências — e que acabam gerando novas emergências no caminho..




