
A Associação Chapecoense de Futebol entrou para a história do esporte brasileiro como o primeiro clube do país a concluir com sucesso um processo de Recuperação Judicial. A decisão, assinada pela juíza Aline Mendes de Godoy, da Vara Regional de Falências e Recuperações Judiciais de Concórdia, encerrou oficialmente a supervisão da Justiça sobre a gestão financeira do clube e reconheceu o cumprimento das obrigações previstas no plano aprovado em 2023. O feito é inédito, já que até então nenhuma agremiação havia atravessado todas as etapas da RJ, respeitado os prazos e recebido sentença favorável de encerramento.
O pedido inicial havia sido protocolado em 2022, em meio a uma crise que deixou a Chape mergulhada em passivos elevados e dificuldades de caixa. À época, mais de 800 credores foram listados e o montante da dívida consolidada no plano chegou a R$ 79,7 milhões. Estimativas mais amplas chegaram a apontar cifras próximas de R$ 180 milhões, considerando pendências ainda em discussão. A situação financeira delicada colocava em risco não apenas a continuidade das atividades esportivas, mas também a sobrevivência institucional do clube. Foi nesse contexto que a Assembleia de Credores aprovou, em março de 2023, um plano de reestruturação homologado judicialmente, que previa escalonamento de pagamentos ao longo de até dez anos.
Durante o período de supervisão judicial, a Chapecoense se comprometeu a cumprir pontualmente todas as parcelas e obrigações previstas. O marco decisivo ocorreu em 28 de abril de 2025, quando a administradora judicial atestou o adimplemento integral de todas as dívidas vencidas até aquela data. Esse parecer foi determinante para a decisão de setembro de 2025, que decretou o encerramento da RJ e devolveu ao clube a plena autonomia administrativa e financeira. A sentença ressaltou não apenas o cumprimento formal do plano, mas também o esforço de reorganização interna que permitiu à instituição reconquistar credibilidade.
O impacto da decisão é significativo. A Chapecoense volta a operar como associação civil comum, sem a tutela do juízo da recuperação, mas com a responsabilidade de seguir honrando as parcelas futuras definidas no cronograma. O desafio, daqui para frente, será manter a disciplina orçamentária e evitar que os erros de gestão do passado se repitam. A retomada da autonomia vem acompanhada de maior confiança no mercado: fornecedores, atletas, agentes e patrocinadores passam a enxergar o clube como um parceiro mais seguro, capaz de honrar compromissos e planejar a longo prazo.
No cenário nacional, o encerramento da RJ da Chapecoense cria um precedente importante. Outros clubes, como Figueirense e Joinville, já recorreram a instrumentos semelhantes, mas não chegaram ao desfecho positivo registrado agora. Ao se tornar o primeiro clube do Brasil a concluir esse processo, a Chape se transforma em referência para instituições que enfrentam crises semelhantes e precisam equilibrar dívidas milionárias com a manutenção de suas atividades esportivas. Além disso, o caso pode inspirar mudanças nas práticas de governança e transparência no futebol brasileiro, ampliando a discussão sobre gestão profissional de entidades que ainda funcionam sob o modelo associativo.
Apesar da conquista, os desafios permanecem. Ainda há credores que não forneceram dados para receber seus créditos e a gestão precisa garantir que o cronograma de pagamentos seja rigorosamente seguido nos próximos anos. A administração terá de combinar rigor financeiro com estratégias de geração de receitas, seja pela ampliação do programa de sócios-torcedores, renegociação de patrocínios, exploração de direitos de transmissão ou até a venda de atletas. Em um mercado cada vez mais competitivo, a lição deixada pela RJ é clara: sobreviver não basta, é preciso planejar com responsabilidade.
A conclusão da Recuperação Judicial da Chapecoense é, portanto, mais que um alívio momentâneo. É um marco de resiliência para uma instituição que já havia enfrentado tragédias esportivas e humanas e agora dá sinais de superação também no campo administrativo. O futuro dirá se o clube conseguirá transformar essa vitória jurídica em um modelo de gestão sustentável, mas o simbolismo já está registrado: a Chapecoense é o primeiro clube do Brasil a atravessar e concluir com sucesso uma RJ, e esse feito passa a integrar para sempre a sua história.