
A decisão do governo brasileiro de descongelar R$ 20,6 bilhões do Orçamento expõe um velho vício da política econômica nacional: cada centavo extra de arrecadação vira justificativa para mais gasto. O aumento de receitas, que neste ano foi de R$ 27,1 bilhões, decorre principalmente de novos leilões do pré-sal e alta na arrecadação tributária — isto é, o contribuinte paga mais e o governo consome mais, sem que isso reverta em alívio da dívida ou reformas estruturais.
O risco brasileiro: receita volátil, gasto permanente
O problema dessa “folga fiscal” é simples: ela é conjuntural. O Brasil segue com uma dívida pública próxima a 92% do PIB, uma das mais altas entre emergentes, e com crescimento projetado de apenas 2,3% para 2025. A inflação deve encerrar o ano em torno de 5%, acima da meta oficial de 3%. Em vez de usar o aumento de receitas para reduzir o déficit primário — hoje estimado em R$ 26,3 bilhões — o governo opta por ampliar a despesa. É a lógica do “aumentei imposto, bora gastar” que mantém o país preso a um ciclo de baixa produtividade e instabilidade fiscal.
O choque argentino: austeridade que gera crescimento
Do outro lado da fronteira, a Argentina — historicamente sinônimo de crises fiscais — surpreende. A atividade econômica cresceu 5% em maio frente ao ano anterior, marcando o sétimo mês consecutivo de alta. O presidente Javier Milei implementou um ajuste severo: corte de ministérios, redução de subsídios e controle rigoroso dos gastos públicos. A inflação, que superava 200% em 2023, vem recuando de forma consistente e já caiu para menos de 50% ao ano. O país ainda registrou superávit primário pela primeira vez em mais de uma década e conseguiu emitir US$ 1 bilhão em títulos no mercado internacional com forte demanda.
Dois caminhos, dois resultados
Enquanto o Brasil confunde arrecadação com solidez fiscal e perpetua gastos sem retorno, a Argentina sinaliza uma mudança de rota: aposta na disciplina para reconstruir confiança e atrair investimentos. É claro que o país vizinho ainda enfrenta desafios profundos — desemprego, pobreza e volatilidade política — mas os indicadores recentes apontam para um recomeço sustentável, algo raro em sua história recente.
O contraste é claro: no Brasil, a arrecadação maior serve de alívio temporário para manter o status quo; na Argentina, a austeridade cria bases para crescimento de longo prazo. Se o governo brasileiro não repensar sua estratégia, pode assistir o vizinho, outrora símbolo de instabilidade, recuperar protagonismo econômico na região.