
É com preocupação que assistimos às repercussões do Decreto nº 12.686/2025, editado pelo governo federal, que institui a “Política Nacional de Educação Especial Inclusiva”. A APAE Brasil, bem como inúmeras escolas especializadas, já manifestaram repúdio — e com razão.
Por que o alarme?
As instituições da rede da APAE vêm prestando serviço essencial há décadas: oferecer educação especial, atendimento pedagógico e apoio às famílias de pessoas com deficiência intelectual, múltipla ou transtorno do espectro autista (TEA).
O decreto em questão, no entanto, prioriza de modo absoluto a matrícula em classes regulares da rede comum de ensino — o que, na prática, pode enfraquecer ou mesmo colocar em risco a continuidade das escolas especializadas.
Inclusão verdadeira ou ilusão de inclusão?
Educação inclusiva — em sentido pleno — significa que cada estudante, independentemente de suas características, tenha o suporte necessário para aprender, conviver, crescer. Não significa apenas “estar na mesma sala de aula”.
Quando uma política pública favorece exclusivamente o modelo “classe comum” sem garantir os recursos, a formação de professores, a acessibilidade, tecnologias assistivas, e, sobretudo, sem preservar o direito de escolha das famílias — temos um problema. As instituições especializadas não são concorrentes da rede comum: são parte da arquitetura de um sistema que reconhece diferentes trajetórias.
As escolas especializadas têm valor
Não há muro entre rede comum + escola especializada: há complementaridade. As APAEs mostram, diariamente, que esse tipo de escola pode oferecer ambiente adaptado, professores e profissionais habilitados, estrutura de apoio integral — o que muitas vezes não ocorre automaticamente na escola regular.
O decreto aponta para professores com “carga mínima de 80 horas”, “preferencialmente” com formação específica em educação especial inclusiva. Isso é insuficiente para dar conta das múltiplas demandas de estudantes que hoje frequentam essas instituições especializadas.
Retrocesso disfarçado de avanço
O discurso de inclusão, em si, é justo e necessário. Mas se as políticas públicas promovem “inclusão” sem estrutura — resultam em exclusão camuflada. Alunos matriculados na classe comum que não têm apoios adequados ficam isolados, sem aprendizagem, sem participação genuína.
Ao mesmo tempo, ao relegar a importância das escolas especializadas, corremos o risco de desarticular a rede de atendimento que já vinha funcionando — com escopo diverso, necessidades específicas, demandas individualizadas. A petição pública “Em defesa das escolas especializadas e contra o Decreto nº 12.686/2025” mostra que essa não é mera opinião, mas preocupação de milhares de famílias, profissionais e entidades.
O que se exige
- Revogação ou modificação do decreto para que reconheça o direito de escolha das famílias e a coexistência entre rede comum e escolas especializadas.
- Formação continuada, robusta, de professores da classe regular e de educação especial; financiamento claro e suficiente para que a inclusão funcione de fato.
- Diagnóstico real de infraestrutura (acessibilidade, tecnologias assistivas, recursos pedagógicos) e cronograma concreto para a adequação dos espaços.
- Participação efetiva das entidades da educação especial — como a APAE Brasil e suas redes — no desenho, implementação e avaliação da política pública.
Se queremos cumprir o ideal da educação como direito humano universal, precisamos olhar para a diversidade com respeito e especificidade. A verdadeira inclusão não elimina a escola especializada — ela a reconhece. Não ignora as diferenças — ela as celebra.
Se a política pública joga fora as redes que já funcionam e impõe modelos sem estrutura, estaremos construindo uma “inclusão” que, no fundo, ignora, marginaliza e fere. A APAE Brasil tem razão ao erguer sua voz: porque inclusão de verdade exige mais do que decreto — exige responsabilidade, condição, escolha e dignidade.






