
Há conquistas que passam despercebidas pelo grande público, mas que mudam silenciosamente o destino de um país. A vitória de Mariangela Hungria no World Food Prize 2025 — o “Nobel da Agricultura” — é uma dessas marcas históricas que merecem mais do que manchetes: exigem reflexão sobre o rumo que estamos dando à ciência e à sustentabilidade no Brasil.
Por décadas, Hungria trabalhou longe dos holofotes, estudando microrganismos invisíveis ao olho humano, mas gigantes na sua importância para a produtividade agrícola. A partir de pesquisas com bactérias como Bradyrhizobium e Azospirillum, ela desenvolveu inoculantes biológicos capazes de substituir fertilizantes sintéticos, reduzindo custos e, mais impressionante, evitando a emissão de mais de 200 milhões de toneladas de CO₂ por safra. É uma revolução que une produtividade e preservação ambiental — um casamento raro no agronegócio moderno.
Se olharmos para os números, o impacto é assombroso: mais de 40 milhões de hectares já utilizam a tecnologia, economizando bilhões de reais em fertilizantes e impulsionando a produção de soja e milho para níveis recordes. Não se trata apenas de eficiência econômica; é soberania alimentar e climática. Num mundo em que as crises ambientais e energéticas pressionam os preços dos insumos agrícolas, o Brasil surge como líder tecnológico em uma área que, historicamente, sempre foi dependente de produtos importados.
Mas a pergunta que fica é: estamos valorizando nossas cientistas à altura de suas conquistas? Infelizmente, não. A maioria dos brasileiros sequer ouviu falar de Mariangela Hungria, enquanto celebramos com fervor ídolos do esporte ou da música. Não se trata de diminuir outros talentos, mas de reconhecer que o futuro do país também depende da capacidade de premiar e apoiar mentes que nos colocam na vanguarda da ciência.
A conquista de Hungria também lança luz sobre outro ponto crucial: o papel das mulheres na ciência. Em um ambiente ainda marcado pela desigualdade de gênero, a presença de uma pesquisadora brasileira no topo do cenário mundial deve inspirar políticas de incentivo a meninas que sonham em seguir carreiras científicas, especialmente em áreas historicamente dominadas por homens, como a agronomia.
Por fim, há uma lição de humildade e visão de futuro. Enquanto o mundo se debate entre discursos polarizados sobre agronegócio e preservação ambiental, Mariangela mostra que é possível — e urgente — conciliar produção e sustentabilidade. A ciência brasileira, quando bem financiada e reconhecida, pode não apenas alimentar o mundo, mas também salvar o planeta.
O que faremos com esse legado? Transformaremos em política pública, ampliando o uso das tecnologias desenvolvidas por ela, ou continuaremos aplaudindo de longe, sem perceber que a próxima revolução verde já começou aqui, no coração do Brasil?