
A divulgação recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) trouxe para as manchetes um dado comemorado: taxa de desemprego de 5,8% no segundo trimestre de 2025, ou 5,6% no trimestre encerrado em julho — o menor patamar desde 2012. Boa notícia, à primeira vista. Mas essa é uma fotografia recortada, que omite aquilo que o cidadão comum realmente quer saber: quantas pessoas estão de fato sem trabalho, quantas desistiram de procurar, quantas vivem à margem do mercado sem aparecer nas estatísticas.
Os recortes que suavizam a realidade
A metodologia considera como “desempregado” apenas quem não trabalhou na semana de referência, estava disponível e buscou ativamente trabalho nos últimos 30 dias. Dessa forma, duas distorções se tornam evidentes:
- Quem abandona a busca — pessoas que desistiram porque não acreditam que vão encontrar emprego ficam fora da estatística oficial, mesmo estando disponíveis. São classificados como “fora da força de trabalho” ou “desalentados”.
- Quem depende de assistência — beneficiários de programas sociais, mesmo querendo trabalhar, podem ser enquadrados como fora da força de trabalho caso não tenham feito uma busca ativa no último mês.
Números que ficam escondidos
O Brasil tinha, no segundo trimestre de 2025:
- 6,3 milhões de desocupados (que entram na taxa oficial de 5,8%);
- 2,7 milhões de desalentados, que gostariam de trabalhar mas desistiram de procurar;
- Cerca de 65,6 milhões de pessoas fora da força de trabalho, na idade de trabalhar mas sem estar ocupadas ou buscando emprego;
- Uma taxa de subutilização de 14,4%, representando milhões de pessoas que trabalham menos horas do que gostariam ou em funções aquém de sua capacidade.
Se somarmos os desocupados, os desalentados e parte dessa população fora da força, o contingente real de pessoas em fragilidade de trabalho é muito maior que os 5,6% celebrados.
Em resumo: os 5,6% oficiais correspondem a 6,1 milhões, mas, ao incluir quem desistiu de procurar (desalento) subimos para 7,9% com 8,8 milhões de pessoas; e, usando a métrica ampliada do IBGE, o quadro chega a 10,4%, com 11,9 milhões de pessoas em fragilidade de trabalho.
O impacto no cotidiano
Essa metodologia leva a um paradoxo: celebram-se índices baixos de desemprego enquanto boa parte da população vulnerável permanece invisível. Para as periferias, para quem enfrenta custos de transporte, falta de creche, discriminação ou baixa escolaridade, o desemprego não se resume a não ter procurado trabalho nos últimos 30 dias. É também quem desistiu, quem não tem esperança, quem sobrevive em ocupações informais precárias.
Por que isso importa
Políticas públicas: sem reconhecer o desalento, não há programas de reinserção efetivos.
Percepção social: números baixos reforçam narrativas de recuperação, mas não capturam a realidade da desigualdade.
Justiça social: são as mulheres, os negros e os menos escolarizados que mais ficam invisíveis no cálculo oficial.
A taxa oficial de desemprego cumpre o critério técnico, mas não responde à pergunta central: “Quantos brasileiros precisam de trabalho e não têm?”. Até que o debate incorpore o desalento, a subutilização e a exclusão estrutural, estaremos medindo uma parte e festejando uma vitória parcial. O número real de brasileiros sem trabalho digno é muito maior — e só reconhecê-lo já seria um avanço.