
Nos últimos meses, o Brasil foi surpreendido por uma estatística que deveria preocupar não apenas economistas, mas também empresários, gestores públicos e cidadãos comuns: a inadimplência atingiu o maior nível em quase oito anos. Segundo dados do Banco Central, em julho de 2025 a taxa de atrasos no crédito livre chegou a 5,2%, o maior patamar desde 2017.
Para além dos números, esse movimento revela um efeito dominó que ameaça desacelerar a economia e minar a confiança de consumidores e empresas. Afinal, quando as famílias deixam de pagar suas dívidas, o impacto se espalha como uma onda por toda a sociedade.
O drama das famílias endividadas
Na ponta do consumo, milhões de brasileiros se veem encurralados. O crédito, que deveria ser instrumento de mobilidade social e realização de sonhos, transformou-se em armadilha. Com juros médios ainda acima de 45% ao ano no crédito livre, qualquer atraso vira uma bola de neve.
O resultado é conhecido: restrição ao crédito, dificuldade para financiar a casa própria ou mesmo para manter o limite do cartão de crédito. A inadimplência não é apenas uma estatística fria — ela corrói a autoestima e a dignidade de quem se vê obrigado a renegociar dívidas mês após mês, em uma luta psicológica que consome energia e esperança.
Bancos na defensiva
Do lado das instituições financeiras, o aumento do risco se traduz em provisões maiores para perdas. Em linguagem simples: os bancos precisam guardar mais dinheiro para cobrir calotes. Isso reduz lucros e, inevitavelmente, encarece o crédito para todos. O spread bancário até recuou levemente em julho, mas permanece em patamar elevado, reforçando o círculo vicioso de crédito caro e risco crescente.
Empresas e comércio acuados
O comércio, as prestadoras de serviços e até o setor imobiliário sentem os reflexos. Quando o consumidor adia pagamentos, o caixa das empresas encolhe. Investimentos ficam para depois, contratações são suspensas e a roda da economia gira mais devagar.
No caso do crédito direcionado — como financiamentos habitacionais e rurais — a taxa de inadimplência subiu para 1,8%, maior nível desde 2020. Isso mostra que até segmentos tradicionalmente mais seguros começam a sentir o peso da crise.
O desafio macroeconômico
Não é coincidência que isso ocorra em um cenário de juros básicos ainda elevados — a Selic em 15% ao ano. O Banco Central optou por manter a política monetária restritiva para conter a inflação. Mas, como efeito colateral, famílias e empresas enfrentam custos de financiamento sufocantes.
Há, portanto, um dilema: reduzir os juros pode dar fôlego à economia, mas também reacender pressões inflacionárias. Manter a Selic elevada, por outro lado, ajuda a estabilizar preços, mas ao custo de jogar mais brasileiros na inadimplência.
Saídas possíveis
O governo aposta em programas como o Desenrola Brasil e em mutirões de renegociação de dívidas. São iniciativas importantes, mas paliativas. O verdadeiro antídoto passa por três pilares:
- Educação financeira séria, capaz de ensinar famílias a lidar com orçamento em tempos de crédito caro.
- Inovação bancária, com fintechs e inteligência artificial oferecendo crédito mais justo e personalizado.
- Reformas estruturais, que permitam reduzir o custo Brasil, aumentar a produtividade e, consequentemente, criar espaço para juros menores.
O círculo que precisa ser quebrado
A inadimplência recorde de 2025 não é apenas fruto de irresponsabilidade individual, como muitos gostam de simplificar. Ela é consequência de um sistema financeiro que ainda cobra caro pelo risco, de uma economia que cresce menos do que poderia e de uma sociedade em que os mais pobres carregam o maior fardo.
Quebrar esse círculo vicioso exige coragem política, criatividade empresarial e consciência social. Se nada for feito, o Brasil corre o risco de transformar a inadimplência em um novo normal — e não há economia que prospere quando o calote vira regra e o crédito deixa de cumprir seu papel de alavanca para o desenvolvimento.