
O apagão de mão de obra é só o sintoma visível de uma mudança muito mais profunda: o colapso silencioso do modelo tradicional de trabalho.
Durante décadas, o emprego com carteira assinada foi sinônimo de sucesso e segurança no Brasil. Ter um vínculo formal significava estabilidade, direitos trabalhistas, aposentadoria e plano de saúde. Mas algo está mudando — e rápido. Cada vez mais brasileiros, especialmente os mais jovens e qualificados, estão rejeitando o regime da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em nome de algo que vale mais para eles: liberdade.
Essa mudança de mentalidade não se limita a exceções ou a nichos como a tecnologia ou o marketing digital. Ela está atingindo o coração da economia tradicional. Na indústria, por exemplo, empresas enfrentam um apagão de mão de obra qualificada, não porque falte gente capacitada, mas porque essa gente não quer mais saber de rigidez, subordinação e jornada fixa.
Há um erro recorrente por parte de empresários e formadores de opinião ao tratarem esse fenômeno como uma “frescura da Geração Z” ou resultado de programas sociais. Essa leitura simplista ignora o óbvio: as regras do jogo mudaram. E o modelo de trabalho formal, criado para um Brasil urbano-industrial dos anos 1940, já não serve para um país digital, fluido e hiperconectado.
A CLT ainda carrega um formato de comando e controle, baseado em presença, submissão e produtividade medida por tempo, não por entrega. Mesmo com a reforma trabalhista de 2017, que tentou flexibilizar contratos, a estrutura continua desconectada da realidade de quem busca equilíbrio entre vida e trabalho, múltiplas rendas, tempo para cuidar dos filhos, estudar, empreender ou simplesmente viver com mais autonomia.
Enquanto isso, o mercado informal, os apps de prestação de serviço, os contratos como MEI e o trabalho autônomo oferecem justamente isso: autonomia, flexibilidade e possibilidade de multiplicar ganhos — mesmo com menos direitos. Para um número crescente de pessoas, especialmente jovens entre 20 e 35 anos, essa é uma troca aceitável. Não por alienação política ou ignorância trabalhista, mas por escolha consciente.
E o que as empresas fazem? Em boa parte, tentam forçar um retorno ao passado. Cobram “comprometimento” (leia-se: submissão), exigem presença física, ignoram os desejos dos colaboradores e oferecem o mesmo pacote de benefícios de 1998, esperando resultados de 2025.
É preciso dizer claramente: o problema não é a geração de trabalhadores. O problema é a geração de líderes. Se as empresas querem manter talentos, precisam aprender com as startups, com os nômades digitais e até com os freelancers: oferecer modelos híbridos, horários maleáveis, pactos por entrega, trilhas de crescimento horizontal e propósito real.
O apagão de mão de obra não é um acidente. É o reflexo direto de um modelo que se tornou insustentável diante das novas expectativas sociais. Ou as empresas se adaptam — com coragem e inovação — ou continuarão perdendo talentos para o Uber, para o Instagram, para o e-commerce de bairro ou para o MEI que oferece dignidade sem tanta burocracia.
A CLT pode até continuar existindo. Mas, se quiser sobreviver como opção viável, precisa deixar de ser camisa de força para virar instrumento de liberdade.