
Imagine o seguinte cenário: você está saudável, disponível para trabalhar, quer um emprego, mas – por falta de oportunidade, desânimo ou simples descrença – não procura uma vaga. Pela lógica comum, você estaria desempregado. Mas, pela metodologia do IBGE, não. Você seria classificado como “subutilizado”, um conceito que escapa à compreensão da maioria e que vem inflando um dos índices mais controversos do mercado de trabalho brasileiro.
De acordo com a PNAD Contínua mais recente, divulgada em junho deste ano, o Brasil registrou 6,7 milhões de pessoas desocupadas – ou seja, sem trabalho e em busca ativa de uma ocupação. A taxa oficial de desocupação caiu para 5,8%, a menor desde 2012. Um feito que, à primeira vista, poderia ser comemorado.
Mas basta olhar para outro número: a taxa de subutilização, que inclui não apenas os desempregados, mas também aqueles que trabalham menos do que gostariam e os que, embora disponíveis, não procuraram trabalho. Esse índice alcança 14,4% da força de trabalho, o que representa cerca de 16 milhões de brasileiros.
E aqui reside o problema: o recorte do IBGE separa em duas categorias o que, na vida real, é uma mesma dor. Para o cidadão que precisa pagar as contas, pouco importa se ele é rotulado como desocupado ou subutilizado – o fato é que ele está fora do mercado ou com renda insuficiente para sobreviver. Essa metodologia, embora tecnicamente defensável para comparações internacionais, cria uma sensação artificial de melhora: a taxa de desemprego cai, mas o desalento e o subemprego permanecem invisíveis para grande parte do debate público.
Outro ponto crítico é que a medição considera apenas quem procurou trabalho ativamente nas últimas quatro semanas. Pessoas que desistiram de buscar por desânimo ou por repetidas frustrações simplesmente “somem” da taxa de desocupação e migram para a categoria dos subutilizados. Isso reduz o desemprego oficial, mas não resolve a exclusão econômica que atinge milhões.
Não se trata de ignorar os avanços recentes do mercado de trabalho – como a redução do desemprego formal e o aumento da ocupação em setores de serviços e comércio –, mas de questionar a narrativa que esconde a precariedade. Afinal, comemorar 5,8% de desocupação enquanto 14,4% da força de trabalho segue sem acesso pleno a emprego é, no mínimo, perigoso.
O país precisa olhar para além dos indicadores técnicos e encarar a realidade de quem vive com subemprego, desalento e baixa renda. A economia pode até mostrar números mais bonitos, mas a vida real continua exigindo respostas mais humanas – e políticas públicas que transformem estatísticas em oportunidades concretas.