
Há livros que explicam o mundo. E há livros que obrigam a gente a olhar novamente para ele e admitir que estava julgando errado. “Escassez: por que ter tão pouco significa tanto”, de Sendhil Mullainathan e Eldar Shafir, faz exatamente isso. Ele desmonta uma crença muito comum: a ideia de que quem erra na vida, quem vive endividado, quem se atrapalha no trabalho ou quem “não consegue se organizar” simplesmente não tem disciplina, força de vontade ou inteligência. O livro mostra que, muitas vezes, não é isso. É a falta. É o peso da escassez.
Os autores apresentam uma tese simples e poderosa: quando falta dinheiro, tempo, estabilidade ou segurança, a mente entra em um estado de urgência permanente. A pessoa não vive, reage. Não planeja, apaga incêndios. Não escolhe com calma, tenta sobreviver ao próximo problema. A escassez cria um tipo de “túnel mental”: tudo o que está fora do problema imediato desaparece. E é dentro desse túnel que as decisões ruins aparecem.
É fácil julgar o pobre que faz um empréstimo caro. Difícil é reconhecer que ele não está pensando em “estratégia financeira”, mas em comer amanhã. É fácil criticar o trabalhador que vive atrasado, cansado e improdutivo. Difícil é perceber que quem nunca tem tempo para respirar também não tem tempo para pensar melhor. A escassez rouba algo silencioso, mas essencial: a capacidade de raciocinar com clareza.
O livro traz um ponto que mexe com nossa forma de enxergar a sociedade: não é apenas o indivíduo que erra. O ambiente empurra para o erro. A escassez cria armadilhas. Quem tem dinheiro paga mais barato, quem tem estabilidade arrisca melhor, quem tem tempo planeja. Quem não tem nada disso, vive sempre no limite — e pagar caro, errar, perder oportunidades vira quase inevitável.
É por isso que muitas políticas públicas fracassam. É por isso que programas sociais mal desenhados não libertam ninguém, apenas prolongam a sobrevivência. É por isso que empresas que esmagam seus funcionários com pressão constante colhem gente esgotada, decisões ruins e baixo desempenho. Não se trata de “ensinar as pessoas a terem disciplina”. Trata-se de criar folga mental. Criar condições para que o ser humano volte a pensar como ser humano, não como alguém em desespero constante.
A lição é dura, mas justa: quem vive na escassez não é fraco. Está ferido por um ambiente que não lhe dá descanso. E enquanto insistirmos em culpar apenas o indivíduo, continuaremos repetindo o mesmo erro histórico: julgar sem compreender.
O livro “Escassez” faz algo que poucos textos conseguem: nos obriga a ter humildade. Humildade para entender que, muitas vezes, o “erro” do outro é, na verdade, o reflexo de uma pressão que nós nunca sentimos. Humildade para aceitar que políticas públicas precisam respeitar a mente humana. Humildade para admitir que empresas precisam cuidar das pessoas antes de cobrar resultados. E humildade para olhar para nós mesmos e reconhecer: quando a vida aperta, nós também ficamos mais impulsivos, mais confusos, piores.
Em tempos de discursos fáceis, em que muita gente gosta de apontar o dedo, esse livro lembra algo essencial: antes de julgar as escolhas de alguém, pergunte o quanto de escassez existe na vida dele. Talvez a resposta explique muito mais do que qualquer moral pronta.







