quinta-feira, dezembro 4, 2025
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Quinta da Opinião: Recolhemos o que nos acontece, mas não sabemos as causa

Leia a coluna de Vitor Marcelo Vieira na Quinta da Opinião

Foto: Vitor Marcelo Vieira | Radialista (locutor e repórter), Doutor em História do Tempo Presente (UDESC)

Caro leitor/a hoje decidi escrever sobre filosofia para vocês. Filosofia é tão importante na nossa vida quanto respirar ou se movimentar. Escolhi ler os capítulos I e II do livro Espinosa: filosofia prática do filósofo francês Gilles Deleuze. As reflexões de Espinosa, filósofo do século XVII, em sua obra clássica A Ética, seguem atuais. Então decidi seguem escrever minhas impressões, após atenta leitura.

O filósofo Espinosa foi duas coisas: odiado e injuriado, embora nenhum outro tenha sido tão digno como ele. Mas o que teria ele feito para ser tão injuriado? Falar aos quatro cantos do mundo que teria sido devido ao seu ateísmo, não é suficiente. Baruch Espinosa nasceu em 1632 no bairro judeu de Amsterdã. Filho de comerciantes judeus de origem espanhola ou portuguesa. Estuda Teologia na escola judia. Assume os negócios da família por ocasião da morte de seu pai em 1654. É excomungado da comunidade judaico em 1656 devido a suas concepções filosóficas.

Os rabinos desejavam que ele retornasse à comunidade judaica, mas ele além de não se retratar, escreve um esboço do que mais tarde viria a ser a obra Tratado teológico-político, para justificar sua saída da Sinagoga. Espinosa é praguejado por judeus, calvinistas, católicos e luteranos e nascem os termos “espinosista” e “espinosismo” para se referir à injúria e ameaça. É preciso colocar na mesa à mostra de todos, algo mais pragmático, ou seja, algo que seja fácil de compreender e que faça parte da realidade das pessoas, inclusive dias atuais.

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É por isso que Espinosa é atual. É preciso identificar as teses práticas que tornaram suas ideias um escândalo, no contexto no qual ele viveu. Mas preciso dizer caro leitor/a, que as ideias desse filósofo seguem sendo um escândalo nos dias atuais, porque elas partem de três denúncias: da consciência, dos valores e das paixões tristes. Vou explicar resumidamente do que se trata!

Em vida Espinosa foi acusado de ser imoral, ateu e materialista, porque ele propôs aos demais pensadores de sua área, o corpo como modelo, na medida em que ele afirma que não temos um saber a respeito do que o corpo pode. O que sabemos e falamos é do que o corpo deve fazer, ou seja, de como mover ele, de como dominar ele e as paixões. Mas não sabemos do que ele é capaz.

O Paralelismo, um dos conceitos teóricos de Espinosa, não nega apenas a causalidade real entre espírito e corpo. Ele recusa qualquer situação potencial de um sobre o outro. Prezado leitor/a, causalidade é quando a ação de um elemento causa interferência sobre o outro. Por exemplo, podemos falar em causalidade natural quando a chuva provoca a cheia dos rios, que irrigam a terra e matam a sede de humanos e animais. A causa de os rios ficarem cheios é a chuva intensa.

Mas voltando a falar sobre a causalidade entre corpo e alma, interpreto que não quer dizer que haja uma superioridade do corpo sobre a alma. Mas posso deduzir que o pensamento dominante na nossa sociedade, moraliza a alma e moraliza o corpo. Então, o significado prático do paralelismo, conceito de Espinosa, se trata de uma inversão ao princípio tradicional fundamental da moral, que seria o empreendimento da dominação das paixões, feito pela consciência, ou melhor dizendo, pela razão.

Espinosa afirma que o que é paixão no corpo, também é na alma. Isso nos diz que o corpo supera o conhecimento que temos dele. Há tantas coisas que ultrapassam nosso conhecimento tanto no corpo como no espírito. Como seres humanos, podemos captar a potência do corpo para além do que já conhecemos e também captar a força do espírito para além da nossa condição da consciência.

O que acontece na realidade é que temos ideias inadequadas sobre efeitos diferentes, porque só sabemos conscientemente os efeitos sobre nossos corpos, mas desconhecemos o que é o nosso próprio corpo e também a nossa alma sob sua própria relação, e os outros corpos, almas ou ideias sob suas respectivas relações. Isso porque a consciência é por natureza o lugar da ilusão, porque ela só recolhe os efeitos, mas desconhece as causas.

Cada corpo individual ao se encontrar com os demais compõe uma relação de pensamentos e ideias. A relação de dois corpos por exemplo, ao se compor, formam um todo mais potente ou um decompõe o outro e o anula, destruindo a coesão das duas partes. O conjunto dessas partes vivas se compõe ou se decompõe a partir de leis complexas. As causas são ordenadas por composição e decomposição de relações que afetam toda a natureza.

Porém nossa consciência recolhe só os efeitos dessas relações, ou seja, sentimos alegria quando outro corpo se encontra com o nosso e se compõe, quando uma ideia de outra pessoa se encontra com a nossa alma e ambas se compõem. No sentido inverso sentimos tristeza quando um corpo ou ideia ameaçam nossa coerência.

Portanto, recolhemos apenas os efeitos que acontecem ao nosso corpo e alma, causados por outros corpos e outras almas, mas o que é o nosso próprio corpo sob sua relação e nossa alma sob sua própria relação e os outros corpos, ideias e almas sob suas respectivas relações, e as regras que ordenam a composição e a decomposição dessas relações, nada sabemos na ordem de nosso conhecimento e de nossa consciência. Em suma, temos ideias erradas e mutiladas sobre o conhecimento das coisas e sobre a consciência que temos de nós mesmos, efeitos distintos de suas próprias causas.

Em 1677 Espinosa morre devido a infecção pulmonar. Espinosa é aquele filósofo que nos oferece a possibilidade de uma vida afirmativa ao invés de um constante simulacro com os quais homens e mulheres se contentam. Foi criticado por Hegel por não falar do negativo. Ainda bem que tivemos Espinosa, pois ignorar o negativo é sua gloria e sua inocência.

Num mundo atual corroído pelo negativo, Espinosa nos convida a ter confiança na potência da vida. Um abraço leitor/a. E obrigado pela leitura, se você chegou até aqui e até minha próxima coluna.

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