
Há momentos na vida pública em que os fatos parecem acontecer com precisão cirúrgica. Enquanto notícias sobre a prisão do ex-presidente Bolsonaro dominam manchetes, debates, corredores políticos e redes sociais, um escândalo bilionário avança silenciosamente: o colapso do Banco Master, que já soma prejuízos estimados em mais de doze bilhões de reais, envolve fundos públicos e expõe possíveis relações perigosas entre estados, municípios e executivos financeiros. A coincidência temporal é tão conveniente que muitos já perguntam: estamos diante de uma cortina de fumaça?
Bolsonaro sempre ocupou o centro do palco político nacional. Sua prisão preventiva gerou uma reação previsível: tumulto, polarização imediata, manchetes incessantes, entrevistas inflamadas e uma avalanche de discursos de ambos os lados. O país mergulhou novamente no ciclo emocional que acompanha qualquer episódio envolvendo o ex-presidente. Enquanto isso, o escândalo do Banco Master, que ameaça ser maior que mensalão e petrolão somados em impacto financeiro e alcance institucional, foi empurrado discretamente para um segundo plano.
Quando analisamos os números, o contraste é gritante. Estados e municípios aplicaram 1,87 bilhão de reais em letras financeiras de alto risco emitidas pelo Banco Master, sem proteção de garantias públicas. Somente o fundo de previdência do Estado do Rio de Janeiro aplicou aproximadamente 970 milhões de reais; o fundo estadual do Amapá, 400 milhões; e uma série de municípios de São Paulo, Goiás, Amazonas, Mato Grosso do Sul e Alagoas perderam entre dois e noventa milhões cada. Esses valores não pertencem a investidores voluntários buscando lucro fácil; pertencem a trabalhadores, aposentados e contribuintes que dependem desses fundos para garantir o futuro.
A investigação da Polícia Federal já aponta para um rombo bilionário, prisões de executivos e suspeitas de operações fraudulentas com títulos sem lastro. O Banco Central decretou liquidação extrajudicial do banco. Municípios podem enfrentar rombos orçamentários. Estados correm risco de ter de cobrir déficits previdenciários com dinheiro público. O impacto social é profundo, sistêmico e duradouro.
E, no entanto, o debate nacional está completamente voltado para a prisão de Bolsonaro. A discussão jurídica sobre tornozeleira, fuga, medidas cautelares e alegações políticas obscurece, quase instantaneamente, o debate sobre como quase dois bilhões de reais de fundos públicos foram parar em títulos privados arriscados, quem autorizou essas aplicações e quais interesses se esconderam por trás de decisões que hoje parecem indefensáveis.
Quando escândalos financeiros atingiram o país no passado — como o mensalão e o petrolão — houve meses de cobertura contínua, investigação minuciosa, comissões parlamentares, audiências e exposição pública de cada centavo malversado. Agora, com um escândalo que envolve estados inteiros, dezenas de municípios e investigação policial nacional, o debate foi abafado em questão de horas.
Não se trata de absolver Bolsonaro nem de minimizar a gravidade das acusações que o cercam. A justiça deve seguir seu curso, independentemente de quem esteja no alvo. Mas é impossível ignorar que sua prisão, ocorrida exatamente no momento em que o caso Banco Master começava a se expandir e ganhar proporções explosivas, funciona como uma tempestade midiática ideal para distrair o país.
A pergunta que se impõe é simples: quem ganha com a mudança brusca de foco? Certamente não os servidores afetados, nem os contribuintes que podem ter de arcar com rombos provocados por decisões financeiras irresponsáveis. Quem ganha é quem precisa desesperadamente que o país olhe para outro lado. Quem ganha é quem teme que o escândalo do Banco Master seja, sim, maior que mensalão e petrolão — não apenas em valores, mas em profundidade institucional.
Enquanto o país discute Bolsonaro pela enésima vez, os detalhes sobre quem se beneficiou da farra financeira, quem autorizou as aplicações, quem ignorou alertas técnicos e quem se omitiu diante do risco, seguem longe dos olhos da população. O tempo mostrará se a coincidência foi apenas isso: coincidência. Ou se, mais uma vez, algo muito maior está se movimentando por trás do palco, enquanto o espectáculo político, como sempre, distrai o público.
Se a prisão de Bolsonaro for usada como palco principal, o caso Banco Master corre o risco de se tornar o que muitos querem que ele seja: apenas mais um escândalo esquecido. Mas a dimensão financeira e institucional desse colapso exige o contrário. É no silêncio que crescem os maiores desvios. E, neste momento, o silêncio em torno do Banco Master é ensurdecedor.






