
O anúncio de que os Correios estudam um plano que pode resultar em até dez mil desligamentos caiu como uma bomba no país. A estatal, que já foi símbolo de confiança e capilaridade nacional, agora aparece nas manchetes pelas piores razões: um rombo bilionário, queda vertiginosa nas receitas e a necessidade urgente de um empréstimo gigantesco para evitar um estrangulamento financeiro. O que deveria ser exceção virou rotina — e a pergunta que a sociedade precisa se fazer é simples: como uma empresa com presença em todos os municípios brasileiros chegou a esse ponto?
Os números falam por si. No primeiro semestre deste ano, o prejuízo passou da casa dos quatro bilhões de reais. O volume de encomendas internacionais, que sempre foi um dos motores de receita, despencou mais de sessenta por cento. A empresa tenta respirar com um pedido de crédito que pode chegar a vinte bilhões, com aval da União. Tudo isso enquanto pede ao Tribunal de Contas da União que avalie um programa de desligamento capaz de reduzir o quadro em quase dez por cento. Uma estatal chegando a esse nível de urgência não é sinal apenas de má gestão momentânea, mas de um acúmulo de problemas que foram sendo empurrados ao longo de anos.
O enxugamento do quadro de funcionários é vendido como solução inevitável, especialmente porque a folha salarial é um dos maiores custos. Mas demitir dez mil trabalhadores não é como desligar um interruptor. O impacto humano é enorme: famílias inteiras dependem da renda desses empregados, muitos com décadas de serviço. Reduzir o quadro sem um plano claro de reorganização operacional corre o risco de agravar ainda mais o atendimento à população, que já sofre com atrasos recorrentes e agências fechando pelo interior do Brasil.
O problema central, porém, está longe de ser apenas o excesso de pessoal. A estatal precisa encarar de frente a transformação radical do setor de entregas. O que antes era monopólio prático virou uma arena disputada por empresas privadas ágeis, integradas digitalmente e com custos mais enxutos. Enquanto elas inovaram, os Correios ficaram presos em estruturas antigas, processos lentos e uma dependência perigosa de receitas que simplesmente evaporaram com a mudança no comportamento do consumidor e das compras internacionais.
É claro que a direção atual tenta agir: renegociar contratos, vender imóveis ociosos, cortar gastos, buscar crédito. Mas tudo isso soa como apagar incêndio num prédio com rachaduras profundas. Sem uma revisão total de modelo de negócio, a estatal continuará refém de soluções paliativas. E sem transparência, qualquer plano corre o risco de se transformar em mera transferência de recursos públicos para cobrir ineficiências crônicas.
Talvez o maior desafio seja resgatar a relevância dos Correios num país continental. A empresa precisa voltar a ser essencial, e não apenas sobreviver. Isso exige coragem para abandonar práticas antigas, acelerar digitalização, integrar tecnologias modernas e recuperar a confiança dos consumidores. Qualquer caminho que não passe por isso será apenas prolongar um colapso anunciado.
O rombo financeiro é grave, mas mais grave é o diagnóstico: os Correios perderam a capacidade de se reinventar no ritmo que o mercado exige. E quando uma estatal perde o rumo, quem paga a conta não são apenas os empregados prestes a serem desligados — é toda a sociedade.





