
O Brasil vive hoje um paradoxo curioso: os números mostram um desemprego baixo como há décadas não se via, mas, ao mesmo tempo, ainda somos um país onde quase metade da força de trabalho atua de maneira informal e a produtividade patina. É como se estivéssemos com a casa cheia, mas com pouca luz — muita gente trabalhando, mas produzindo pouco, ganhando pouco e com poucas perspectivas de crescimento. É um cenário que exige menos discursos e mais coragem para enfrentar o problema onde ele realmente está: na qualidade dos empregos, e não apenas na quantidade.
A informalidade é o coração desse impasse. Ela não é apenas um retrato estatístico; é uma realidade que molda o cotidiano de milhões de brasileiros que trabalham sem registro, sem proteção social e sem possibilidade concreta de ascensão. Essa massa de trabalhadores, embora esteja ocupada, permanece presa a atividades de baixa complexidade, baixa renda e alta vulnerabilidade. Cada vendedor ambulante, motorista de aplicativo, diarista ou trabalhador por conta própria sem registro compõe esse mosaico de sobrevivência que, embora movimente a economia, não a transforma. O que chamamos de “mercado de trabalho aquecido” muitas vezes é, na prática, um mercado de trabalho precarizado.
E aí entra o segundo elemento desse triângulo: o desemprego. Sim, a taxa caiu. Sim, houve avanço importante desde os anos mais duros da década passada. Mas, por trás da boa notícia, há nuances que precisam ser encaradas. Parte da redução do desemprego vem de pessoas que aceitaram ocupações abaixo de sua qualificação, ou com menos horas do que gostariam, ou ainda de gente que simplesmente desistiu de procurar. Isso significa que o quadro é menos brilhante do que parece: não basta colocar pessoas em qualquer vaga; é preciso dar a elas a chance de desenvolver capacidades e construir uma trajetória digna. Sem isso, o país gira, mas não sai do lugar.
O terceiro ponto — talvez o mais ignorado — é a produtividade. Países que crescem sustentadamente fazem isso porque produzem mais com o mesmo número de trabalhadores. No Brasil, acontece o contrário: para crescer, precisamos empregar cada vez mais pessoas, e ainda assim produzimos pouco. É como remar com muitos braços, mas com o barco furado. A informalidade é, novamente, a grande vilã. Empresas informais ou sem estrutura não investem em tecnologia, não treinam seus funcionários, não organizam processos. O resultado é previsível: trabalhadores pouco treinados, fazendo tarefas simples, com ferramentas improvisadas. Nenhum país se modernizou apoiado nesse modelo.
Mas a verdade é que esse círculo vicioso também tem raízes profundas. A burocracia sufoca pequenos negócios. Abrir e manter uma empresa no Brasil ainda é caro e complicado. A educação básica é falha, o que empurra muitos jovens diretamente para o trabalho informal. A desigualdade regional cria um país de velocidades diferentes — enquanto algumas capitais atraem empresas de alta tecnologia, boa parte do interior ainda depende de serviços simples e comércio de sobrevivência.
A grande pergunta é: como romper esse ciclo? A resposta passa por coragem política e visão estratégica. Não há saída mágica, mas há caminhos claros. É preciso simplificar a vida de quem quer empreender formalmente, reduzindo custos e amarras. É urgente investir em qualificação profissional, não com programas improvisados, mas com ensino técnico de qualidade, alinhado às demandas reais das empresas. É necessário conectar micro e pequenas empresas a cadeias produtivas mais modernas, oferecendo crédito, inovação e gestão. E, acima de tudo, é preciso construir um ambiente de negócios que premie a eficiência, e não a informalidade.
Um país com baixa produtividade, alta informalidade e desigualdade estrutural seguirá condenado ao crescimento medíocre. O Brasil não pode mais aceitar essa sina. Temos talento, criatividade, força de trabalho abundante e um mercado interno gigantesco — mas precisamos usar esses ativos para construir empregos de verdade, com qualificação, tecnologia e segurança.
A informalidade não é um destino; é uma escolha coletiva que pode ser substituída por um projeto de desenvolvimento que inclua e eleve as pessoas. O Brasil que cresce com qualidade não é aquele que apenas emprega mais gente, mas aquele que cria condições para que cada pessoa produza mais, ganhe mais e viva melhor. E essa, sim, é a agenda que pode nos tirar da repetição eterna do “quase lá” e nos colocar, enfim, no caminho do futuro.







