
Se existe um tema que persiste nas sombras da saúde feminina, é a terapia hormonal (TH) durante e após a menopausa — especialmente para mulheres que já cruzaram a linha dos 65 anos. Por décadas, o assunto ficou envolto em polêmicas, temores e recomendações ambíguas. Mas um novo estudo, assinado por Baik, Baye e McDonald, publicado em 2024, merece virar manchete: ele desafia muitas das antigas premissas sobre o assunto e convida a sociedade — e o sistema de saúde — a uma revisão urgente e racional do tema.
A pesquisa acompanhou quase 10 milhões de mulheres americanas com mais de 65 anos, usuárias de terapia hormonal, e analisou não apenas os riscos, mas também os benefícios observados com diferentes tipos, doses e vias de administração dos hormônios.
Os resultados surpreendem até os mais céticos. A terapia apenas com estrogênio, por exemplo, foi associada a uma redução de quase 20% na mortalidade geral em mulheres acima dos 65 anos. Mais que isso: houve queda importante nos casos de doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, incluindo o de mama — um vilão constantemente associado ao uso de hormônios. Vale grifar: as descobertas não são isoladas, nem fruto de pequenos estudos. Elas emergem de dados gigantescos, coletados ao longo de 14 anos no sistema de saúde pública dos Estados Unidos.
Há, é claro, nuances importantes. Terapias combinadas com estrogênio e progestógeno aumentaram levemente o risco de câncer de mama em algumas formas de uso. Entretanto, quando a combinação utilizava doses baixas, por via transdérmica ou vaginal, associada a progesterona natural (e não sintética), parte desse risco era neutralizada.
É aqui que reside o ponto central: não se trata de uma decisão “sim ou não” à terapia hormonal — mas “como”, “quando” e “em que forma” utilizá-la. Quando bem escolhida e monitorada, a TH pode significar não apenas mais anos de vida, mas anos com mais saúde e autonomia. E esse é um dado que muda tudo.
Por que, então, ainda se fala tão pouco sobre isso no Brasil? Por que o medo segue pesando mais do que a informação? Ainda convivemos com visões congeladas no tempo, baseadas em estudos de duas décadas atrás ou em mitos amplamente disseminados.
Essa negligência custa caro. Vidas sendo abreviadas ou limitadas por doenças crônicas que poderiam ser evitadas ou retardadas. Mulheres privadas de qualidade de vida, enquanto a ciência avança em silêncio. E um sistema de saúde pública que poderia poupar recursos — e sofrimento — com protocolos alinhados ao que há de mais atual.
A pergunta que fica é: estamos ouvindo as mulheres maduras o suficiente?
Mais do que um tema médico, a terapia hormonal pós-menopausa é uma pauta social. Envolve direitos, dignidade, política pública e, sobretudo, o reconhecimento de que cuidado não se encerra aos 60, 70 ou 80 anos. Quando a ciência muda, nossa visão de mundo também deve mudar.
O estudo de Baik, Baye e McDonald é um convite à reflexão — e à ação. Cabe agora aos médicos, comunicadores, gestores e, principalmente, às protagonistas dessa história — as próprias mulheres — assumirem essa agenda. Porque viver mais não basta. É preciso viver bem.






