
Vivemos em um mundo saturado de informações, mas isso não significa que vivemos em um mundo de clareza. Pelo contrário: quanto mais mensagens, imagens e narrativas nos cercam, maior a necessidade de compreender quem as cria, com que intenção e quais mecanismos estão por trás da nossa adesão a ideias, produtos ou políticas públicas. É aqui que entra um conceito pouco conhecido, mas onipresente: a engenharia do consentimento.
O termo foi cunhado em 1947 por Edward Bernays, considerado o pai das Relações Públicas. Sobrinho de Sigmund Freud, Bernays levou para o campo da comunicação de massa a ideia de que é possível moldar opiniões e comportamentos não apenas por meio de informação objetiva, mas explorando desejos, medos e símbolos inconscientes. Para ele, a opinião pública era um campo a ser estudado, testado e manipulado com o mesmo rigor com que engenheiros projetam uma ponte. Não se tratava de convencer pela razão, mas de induzir pelo contexto emocional.
O caso das “Tochas da Liberdade”
Um dos exemplos mais famosos foi a campanha das “Tochas da Liberdade”, em 1929. Até então, fumar em público era considerado imoral para mulheres. Contratado pela indústria do tabaco, Bernays organizou uma marcha em Nova York onde mulheres acenderam cigarros como símbolo de emancipação feminina. A mensagem subliminar: fumar não era um hábito nocivo, mas um ato de liberdade. O consumo explodiu. Estava consolidado um dos maiores sucessos — e um dos maiores enganos — da propaganda do século XX.
Da propaganda clássica ao marketing digital
De lá para cá, a engenharia do consentimento se sofisticou. No rádio, na televisão e, hoje, nas redes sociais, ela se adapta aos novos meios. Se antes dependia de pesquisas de opinião, agora conta com big data, algoritmos e inteligência artificial. Plataformas digitais sabem o que desejamos antes mesmo que formulemos em palavras. Somos “influenciados” não apenas por propagandas explícitas, mas por memes, tendências, microinfluenciadores e até pela arquitetura invisível dos feeds que consumimos. O “like” tornou-se a moeda do consentimento.
O lado obscuro da manipulação
Mas há um preço. Democracias podem ser corroídas quando o consentimento popular é fabricado sem transparência. O debate público perde autenticidade quando narrativas são desenhadas para induzir, não para esclarecer. O consumidor perde autonomia quando escolhas são moldadas por estratégias invisíveis. A ética se torna um detalhe incômodo diante da eficácia da manipulação.
Não é exagero dizer que muitas das grandes crises atuais — da polarização política à disseminação de fake news — têm raízes nessa engenharia do consentimento. Quando aceitamos versões distorcidas da realidade, quando apoiamos causas que não compreendemos plenamente, quando compramos produtos movidos por um desejo fabricado, estamos sob efeito de uma técnica invisível, mas poderosa.
E agora?
A pergunta central é: existe saída? A resposta passa por dois caminhos. Primeiro, pela educação crítica, que permita ao cidadão reconhecer os mecanismos de manipulação e questionar as narrativas prontas que lhe são servidas. Segundo, pela responsabilidade ética de empresas, governos e comunicadores, que precisam reconhecer que não basta persuadir: é preciso respeitar a autonomia das pessoas.
Bernays acreditava que a engenharia do consentimento poderia ser usada para causas “sociais” e “benéficas”. Mas a história mostra que, na maioria das vezes, prevalece o interesse econômico ou político. Por isso, a consciência pública deve ser o antídoto. Saber que existe engenharia do consentimento é o primeiro passo para não ser apenas manipulado por ela.
Opinião final
A verdade é dura: somos enganados diariamente. Enganados quando acreditamos que nossas escolhas são livres, quando na verdade foram moldadas; enganados quando pensamos que estamos informados, quando na verdade somos direcionados. Mas reconhecer isso é libertador. A partir de agora, você sabe que é enganado — e esse é o primeiro passo para deixar de ser.