
Vivemos em um mundo em que compartilhar momentos da vida nas redes sociais se tornou quase um hábito. Uma viagem, um prato de comida elaborado, amizades, conquistas profissionais — tudo vai para em um álbum de registro virtual. Temos em mãos um carrossel infinito de imagens e vídeos que prendem nossa atenção e nos transportam para um universo aparentemente perfeito e inofensivo: o ambiente digital.
Há poucos anos, isso se incorporou à nossa rotina, ou estamos acompanhando a vida de influenciadores ou nós mesmos nos tornamos protagonistas. E se, por acaso, você não se identifica com essa realidade, talvez esteja vivendo em um “mundo paralelo” — quem sabe até mais verdadeiro e real —, distante dos olhares constantes das redes sociais. Sorte a sua!
Aqui surge uma reflexão essencial para essa pequena leitura: a exposição é, de fato, sempre voluntária? Para os adultos, pressupõe-se a consciência dos limites e riscos envolvidos. Contudo, quando falamos de crianças e adolescentes — aqueles com menos de 18 anos —, o cenário é muito distinto. O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura o direito à preservação da imagem, da psique, da moral, da identidade e da privacidade. Além disso, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, consagra a inviolabilidade da imagem como direito fundamental. Mas você acredita que sociedade está mesmo preocupada com isso?
Apesar de muitos menores nem possuírem escolha ou sequer compreenderem os limites das fronteiras digitais, acabam sendo expostos, muitas vezes pelos próprios pais, que também não têm dimensão do alcance e das consequências do conteúdo que publicam. A privacidade online é mínima e isso abre espaço para que informações pessoais sejam utilizadas de maneira indevida e até criminosa por terceiros.
Recentemente, o Brasil se deparou com o termo “adultização”, impulsionado por milhões de visualizações no YouTube. Esse episódio trouxe à tona, de forma incontornável, um fenômeno cruel que já acontecia há muito tempo, mas permanecia disfarçado sob o véu da normalidade: a exposição precoce e inadequada de crianças e adolescentes no ambiente digital.
O debate, que permanece atual, transcendeu o ambiente digital e alcançou a pauta dos poderes políticos, ganhando contornos relevantes que nos forçam a analisar os limites da liberdade de expressão e de pensamento em confronto com a tutela da imagem, da dignidade e da privacidade, especialmente no que se refere às crianças e adolescentes.
Contudo, nesse ponto você vai concordar comigo: o compartilhamento excessivo de informações sobre as crianças, muitas vezes filhos, pode gerar consequências irreparáveis à formação enquanto pessoa, influenciando a forma como se reconhecem enquanto sujeitos de direitos e causando impacto na proteção de própria imagem exibida de forma excessiva pelos responsáveis legais.
Por fim, cabe agora recordar que a proteção da imagem de crianças e adolescentes não é uma faculdade, mas um dever legal e constitucional, assegurado pela inviolabilidade dos direitos da personalidade e da proteção integral prevista no ECA.
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Isabel Cristina Paini
OAB/SC 73.417A
Advogada e professora de direito
@spadaepainiadv
@belpaini