quinta-feira, novembro 21, 2024
InícioVitor Marcelo VieiraAventuras entre os arquivos

Aventuras entre os arquivos

Leia a coluna de Vitor Marcelo Vieira na Quinta da Opinião


Nesta semana empreendi mais uma aventura em meio aos arquivos históricos. Na verdade, é o lugar onde mais gosto de estar e o tema da historiografia, ou seja, a história da pesquisa em várias modalidades de documentos, tem me conquistado cada vez mais.

Entretanto, tenho em mente que o pesquisador deve sempre tomar muito cuidado com o contato com documentos antigos. Me refiro aos cuidados com a saúde. Documentos antigos guardam um microclima que aloja bactérias e fungos que ali ficam impregnados por muito tempo e ao serem mexidos, essa poeira, quase imperceptível se levanta e pode atingir os olhos e a respiração. Por isso deve-se primar pela proteção e usar óculos especiais, luvas e máscara para manuseá-los. Faz parte da operação historiográfica empreendida pelo historiador. E nesta semana tive uma alegria singular, além daquela tradicional, que é a de estar em meio a arquivos. Foi a alegria que tive quando tive contato com a documentação para selecionar as fontes, acabei encontrando as fontes que tanto queria. Feito isso a próxima etapa é a leitura, compreensão, interpretação e compilação das fontes, num caderno, ao modo antigo mesmo, que faz parte do ofício do historiador. Muito embora, algumas vezes já uso um computador para ir escrevendo, mas no mesmo molde de escrever num caderno, com citações integrais e interpretações a partir daquela fonte, para assim adiantar a tarefa.


Na tarefa de pesquisador vou descobrindo os prazeres do ofício de historiador e recentemente mais um gosto se uniu aos que já tenho no ramo de pesquisa em documentos: o de arquivos pessoais. Mas aqui cabe uma explicação: o que são arquivos pessoais? Vou parafrasear em algumas das definições, as ideias da especialista nessa área, Luciana Heymann. Segundo ela, arquivos pessoais são conjuntos documentais produzidos e acumulados por um indivíduo ao longo de sua trajetória que de alguma maneira registram e documentam as atividades desse indivíduo, tanto na sua vida pessoal como também na sua vida pública profissional. Esses conjuntos têm especificidades em relação aos arquivos públicos e também aos arquivos institucionais privados. Historicamente no campo da arquivologia, os arquivos pessoas ocuparam um lugar periférico.

- Continua após o anúncio -


Uma das especificidades dos arquivos pessoas é a ausência de regras com relação ao que deve ser guardado e o que não deve. O que existe é uma informalidade da acumulação documental. Existe também nos dias atuais a ausência de uma definição da passagem do arquivo pessoal para o domínio público. Se numa instituição já existem regras definidas daquilo que precisa ser guardado, do ponto de vista administrativo e legal, no caso dos arquivos pessoais não existem essas regras. O que há é uma informalidade da acumulação documental. Nesse caso, há uma margem grande de decisão do titular, sobre aquilo que é guardado ou não. Conforme a historiadora Luciana Heymann, ao longo da vida da pessoa existe uma revisão daquilo que foi guardado em algum momento, pois podem haver descartes e perdas e até incorporação de outros documentos que estavam em posse de outra pessoa. Isso significa que este é um espaço de indeterminação e informalidade daquilo que é acumulado.


Vale ressaltar que nem sempre uma vida repleta de atividades tem como resultado um arquivo pessoal que permita recompor a riqueza dessa trajetória. Isso depende também de como o acumulador trata sua documentação. Ele pode ter guardado ou descartado. Essa dimensão de informalidade é uma especificidade importante do acervo particular. Outra é qual será seu destino? Quanto aos arquivos públicos, é sabido que eles devem recolher as instituições públicas. Os arquivos pessoais contêm uma diversidade de documentos onde muitas vezes se encontra uma biblioteca, objetos diversos, como correspondências.


É bom lembrar também que não há uma oposição radical entre arquivos pessoais e arquivos institucionais. Isso porque mesmo que haja uma indeterminação em relação àquilo que é guardado, na medida em que se trata de acúmulos em decorrência da vida pública e privada do indivíduo, ele é um arquivo. Por outro lado, é importante advertir que os arquivos institucionais não devem ser romantizados, ou seja, pensar sobre eles no sentido de que seguem estritamente normas e que estão sempre dentro do padrão e da ordem e que dessa forma, que não há espaço para indeterminação nesses tipos de arquivos.


Outra situação que posso falar aqui é da possibilidade de abordar os arquivos pessoais a partir de uma perspectiva etnográfica, ou seja, deslocar a atenção dada ao conteúdo dos documentos, e pensar também no momento da pesquisa nos processos de constituição desses arquivos. Isso quer dizer que podemos ao mesmo tempo em que se dá atenção para os conteúdos dos documentos, se possa olhar para a administração desses arquivos, para a historicidade deles, como foram constituídos, e os diversos sentidos e importância que tiveram ao longo do tempo para seus cuidadores. Em outras palavras, mesmo quando o pesquisador se depara com uma determinada correspondência para analisar, é muito importante que seja lançado um olhar mais compreensivo, que interrogue essa fonte no sentido de interrogar o conjunto. Para tanto é necessário dar atenção as dinâmicas pessoais que presidiram a guarda e o ordenamento dos documentos. Com relação ao ordenamento, seria aquela primeira ordem que foi dada pelo titular em sua organização do arquivo e as mudanças que ocorreram depois do titular morrer, feitas por alguém da família que ficou responsável pelo arquivo. Tudo isso pode ser revelador e interessante para o pesquisador, pois, é preciso dar atenção as dinâmicas sociais nas quais os documentos estão imersos, e as interferências de terceiros em sua organização e preservação.


Como escolhi a profissão de professor/pesquisador, pela qual tenho grande paixão, seguirei narrando minhas ações e aventuras entre os diversos tipos de arquivos, pessoais e públicos e compartilhando esse conhecimento. Um grande abraço, caro leitor/a e até a minha coluna.

Publicidade

Notícias relacionadas

SIGA O CLICRDC

147,000SeguidoresCurtir
120,000SeguidoresSeguir
13,000InscritosInscreva-se

Participe do Grupo no Whatsapp do ClicRDC e receba as principais notícias da nossa região.

*Ao entrar você está ciente e de acordo com todos os termos de uso e privacidade do WhatsApp