Por Raquel Lang
Ainda estamos longe de falar na pandemia do Covid-19 como algo do passado, mas nesse longo período de batalha, todos ouvimos que, graças ao agronegócio, nossa economia sobreviveu. O agro, com todo merecimento, é enaltecido em campanha publicitária nacional. Hoje “o agro é tech, o agro é pop”… Mas sempre foi assim?
A pergunta foi feita ao empresário e presidente do Grupo Bugio, Alceu Parizotto.
“Há mais de trinta anos, o agro era colônia, era roça. Com orgulho, vim da roça para a cidade e trouxe comigo o que sou, colocando o que sabia em prática, nos negócios voltados para o setor. Cresci com uma cidade que prosperou.
“Chapecó sempre diferenciou e mesmo nos anos de 1980 a cidade era uma referência no Oeste.
Claro que não cheguei abrindo as portas do Grupo Bugio. Era 1974, eu tinha 17 anos e vim para Chapecó com algum conhecimento para trabalhar com o agricultor. Foram oito anos como representante e quatro anos como gerente de vendas de uma empresa do agronegócio. Era uma rotina dura, e à medida que o tempo passava e a familiaridade aumentava, eu recebia a mesma provocação – se ‘já não estava na hora de criar coragem e abrir meu próprio negócio?’
“Refletia muito e devolvia esse questionamento. Perguntava se o cliente estava satisfeito, se o que eu oferecia era a solução esperada. Como as respostas eram positivas, me senti maduro para empreender.”
Parizotto começou com uma pequena agropecuária, já inovando ao trabalhar com o programa Troca Troca de Sementes. “Foram 12 anos de muito empenho e a empresa começou a crescer”, conta Parizotto.
Bem, a empresa cresceu a ponto de hoje chamar-se Grupo Bugio e englobar a atividade frigorífica. “Foi tudo muito rápido e confesso que nem assimilei isso ao longo desses 35 anos.”
“Trabalhamos com um campo viável, cercados de pequenos produtores, pequenas indústrias ou negócios rurais e aprendemos a valorizar isso. Nossa região tem uma vocação enorme e abraça o empreendedor de todo porte. Brinco que a gringaiada é fã do trabalho – quem aloja suínos e aves conhece o dia a dia de trabalho duro, inverno e verão, de segunda a segunda.”
“Quem rodou por nossas estradas do interior, como eu, enfrentou pequenas ‘transamazônicas’; já no centro, eu vi em fotos a Avenida Getúlio Vargas sem asfalto – logicamente o progresso chegou primeiro no centro.”
De 1986 para cá, o grupo só cresceu nas áreas de suinocultura, bovinocultura, produção de grãos, indústria frigorífica, agropecuária, fábrica de ração, reflorestamento, geração de energia renovável e revenda de máquinas e implementos agrícolas. Hoje estão integradas as empresas Bugio Tratores, Bugio Agropecuária, Frigorífico Ecofrigo, São Valentim Geração de Energia e Fazendas Bugio.
“Quando começamos a implantar o frigorífico já existiam os grandes grupos instalados. Sempre fui simpático a esse segmento e sabia que esses grupos tinham um gargalo muito grande na linha de abate. Assim lancei a ideia que continua sendo o nosso principal negócio, o de parcerias. Tiramos de dentro da indústria os animais de grande porte, que davam problema no abate. Criamos uma estrutura para abater um animal de 400 kg e fui vender a ideia de trazer esses animais. Hoje, 30% do nosso abate são animais provenientes da Aurora, além da BRF e JBS. Processamos e devolvemos a matéria-prima para a indústria e acho que a grande sacada foi a de oferecer essa solução.”
Quem conhece o logotipo do grupo, logo lembra da figura do macaco bugio. Já quem vive a cultura gaúcha, sabe que o símbolo é mais abrangente.
“É interessante falar sobre isso, porque convivemos com crianças e jovens que já não tem nenhuma ligação com o campo, nem com a cultura gaúcha.”
“Quando montei a empresa, precisava criar um nome que chamasse a atenção, e não usar o tradicional, que era o sobrenome da família. Italiano, então, já tinha muito…”
“Me ocorreu que haviam empresas com nomes de bichos, como ‘Águia Branca’, ‘Cotia’, e lembrei do bugio, que além de ser um animal comum aqui no sul, é também um ritmo da música gauchesca. Estava feita a escolha.”
O grupo atua em pelo menos oito frentes, e é inevitável falar sobre sucessão.
“Esse costuma ser um assunto delicado, mas comigo é tranquilo. As vocações vão se encontrando com os postos. Tanto que um dos meus filhos, que me acompanha nessa entrevista, trabalha comigo. Acredito que não podemos criar herdeiros, temos que criar sucessores. Todos as empresas do grupo são tocadas por membros da família, não temos nenhum diretor contratado. Vamos lá – numa proporção das nossas, já teríamos uns 245 diretores… Conosco não: ainda tem espaços aí para os que estão chegando e para quem vai chegar.”
“Somos eu, minha mulher, os três filhos, um neto e um genro. Tudo em família.”
Parizotto enfatiza as vocações, afinal, só no frigorífico são mais de dois mil funcionários e várias frentes de trabalho.
“Basicamente abatemos suínos grandes, mas veja que o pâncreas do suíno adulto é usado pela indústria farmacêutica na cura da pancreatite. E só existem duas plantas no Brasil habilitadas para venda desse produto que é exportado para a Alemanha. E somos uma delas.”
“Quero que meus sucessores sintam a mesma felicidade, de poder também contribuir nessa área de saúde, que é muito importante.”
Em meio a tantas frentes e tanta diversidade, Parizotto destaca que não tem preferências, mas que foca na empresa “que exige uma atenção mais especial.”
“Levanto toda manhã pensando: tem aqui algo muito interessante para fazer, e isso já é ótimo. Agora, se fosse escolher algo para dedicar 100% do meu tempo, seria engordar boi no pasto. É uma coisa que eu sempre gostei. Nem sei se dá dinheiro, mas vale só o prazer de lidar com o animal.”
“Sempre fiz tudo focado em dar certo, com o propósito de ali na frente ter resultado. Quando penso em gado, seria aquela a escolha mais simples… Acho que é mais uns 20 anos e vou. Vai dar tempo ainda!”
Parizotto fala na simplicidade, mas não desliga o celular e permanece atento às mensagens. Perguntamos como lida com as inevitáveis e novas tecnologias.
“Hoje, para pilotar uma colheitadeira, brinco que tem que ter faculdade. Mas realmente, para qualquer prática no campo, as novas tecnologias são indispensáveis.
“Eu, particularmente, sou movido pela necessidade, porém esse mundo hi-tech me preocupa em outros aspectos. As pessoas estão se acostumando a achar muita solução pronta, mas não fica o espaço para criar. A tecnologia é confiável, mas a vida cobra e estamos nos apequenando quando pensamos que a tecnologia é a solução para tudo.”
“Quanto ao retorno à simplicidade, é meio que uma vontade do momento. Acho que todo mundo que está amadurecendo anda com um pouco de vontade.”
São três décadas de muito trabalho, e o empresário divide conosco um momento que foi de virada, marcante em sua trajetória.
“Aconteceu na época do Plano Collor. No programa de troca-troca de sementes, negociamos com o agricultor a um preço e acabamos recebendo menos da metade do valor. Isso quando conseguimos receber. E não foi culpa do agricultor, que tinha outros compromissos e perdeu a receita.”
“Passamos uma dificuldade enorme, com um prejuízo muito grande. Terminei de pagar as contas, tudo certinho, e vi que precisava diversificar. Não deixar a atividade, mas começar algo novo, pois a gente tinha uma boa estrutura de campo, fazia projetos, vendia a tecnologia para o produtor, tinha uma boa equipe de agrônomos e técnicos.”
“Mas chegou um domingo de manhã em que eu estava cansado, com uma pilha de contratos já sem chance de cobrar. Lembro de dizer à minha mulher – ‘vou pegar esses contratos fazer um fogo e começar uma vida nova. Não aguento mais ficar me prendendo nisso aqui.”
“Era o que eu precisava para recomeçar. Já estava com a ideia, negociando a compra do frigorífico. Fiz o fogo, servi um churrasco, tomei umas cervejinhas e na segunda-feira acordei inteirinho, pronto para outra. O foco era manter a empresa, crescer e achar uma saída. Confesso que foi uma luz do Criador.”
Quanto às perspectivas para o setor, o empresário se mantém realista.
“Sei que hoje o agro é tech, é pop, é fantástico e maravilhoso, mas precisamos continuar a fazer acontecer. Já dá para pensar que finalmente vamos erguer a cabeça e passar essa fase terrível da pandemia.”
“As vagas nas indústrias cresceram, apesar das exigências das leis trabalhistas. Nós aumentamos a contratação de serviços de transporte, o que é quase um milagre para esses tempos difíceis. Agradeço por poder trabalhar.”
“A balança comercial preocupa, as vendas para a China sempre preocupam… Nos preparamos para vender para a Rússia e ela caiu fora… Cada grande movimento nos afeta, pela importante posição que ocupamos. Outro gargalo enorme é a chegada do milho à nossa região. É desse insumo que se alimentam os animais. Não nos faltam desafios.”
“Ainda assim, temos novos projetos. Trabalhamos na implantação de uma nova indústria, estamos na fase do licenciamento. Até o final do ano vem novidade.”
Brincamos que encerraríamos a conversa marcando uma nova entrevista para o aniversário de 124 anos de Chapecó, quando Alceu Parizotto estaria engordando seu rebanho. Que nada! O irrequieto empresário já tem planos para 2022.
Quem sabe o que ele nos conta no ano que vem?