
Troca de dívida por atendimento no SUS
A proposta em estudo permitirá que empresas do setor de saúde troquem débitos com a União por serviços médicos prestados à população. A iniciativa, parte da reformulação do programa Mais Acesso a Especialistas, foi desenhada para atacar o problema crônico de filas do SUS — especialmente nas áreas de oncologia, cardiologia, ortopedia, oftalmologia e otorrinolaringologia.
A expectativa é de que milhões de exames e cirurgias eletivas sejam viabilizados sem que o governo precise gastar recursos orçamentários adicionais, usando em troca créditos fiscais já existentes.
Como funcionará a proposta
A iniciativa permitirá o abatimento de R$ 2 bilhões em dívidas de hospitais e clínicas privadas e mais R$ 700 milhões de operadoras de planos de saúde. Os serviços realizados serão pagos com créditos tributários, desde que prestados com critérios e auditoria rigorosos.
Para participar, os prestadores serão credenciados por edital. Cada procedimento realizado será faturado e validado antes da compensação da dívida. Uma tabela diferenciada — superior à do SUS — está em discussão para atrair a adesão dos privados.
Impactos no orçamento público e no SUS
Embora não represente desembolso direto do orçamento, a medida configura uma renúncia de arrecadação fiscal. Em vez de receber os tributos em dinheiro, o Estado obterá serviços médicos.
Entre os potenciais ganhos orçamentários, estão:
- Redução da pressão sobre o teto de gastos da saúde;
- Aproveitamento de créditos fiscais que poderiam demorar anos para serem cobrados ou resultarem em acordos menos vantajosos;
- Aumento da eficiência do gasto público, transformando dívida em atendimento direto à população.
Por outro lado, especialistas alertam para riscos como:
- Superavaliação dos serviços prestados;
- Falta de controle na execução e pagamento indevido de créditos;
- Precedente para outros setores pleitearem compensações semelhantes.
Redução das filas e impacto no atendimento
A proposta pretende atacar de frente a fila do SUS. A estimativa é de que cerca de 9 milhões de exames e consultas possam ser feitos, com prazos reduzidos para até 60 dias.
Com salas cirúrgicas e leitos ociosos no setor privado, o governo quer organizar mutirões com resultados rápidos e visíveis. Isso pode diminuir o tempo médio de espera, que chegou a 57 dias em 2024 para uma consulta especializada.
Há, no entanto, o risco de “efeito indução”: a redução das filas pode estimular novos pacientes a procurar o SUS, aumentando a demanda reprimida. A medida também exigirá articulação entre o SUS e a rede privada para garantir continuidade e acompanhamento dos tratamentos.
Reações do setor de saúde
A proposta foi bem recebida por hospitais privados, que defendem a utilização imediata de leitos e salas ociosas. Representantes do setor sugerem que o programa se torne permanente, desde que haja remuneração justa.
Operadoras de planos de saúde, embora contempladas com possibilidade de abater R$ 700 milhões, ainda não se posicionaram publicamente. O modelo exige que elas coordenem a realização de procedimentos por terceiros, o que pode trazer complexidade operacional.
Entre médicos e especialistas, há apoio ao uso emergencial da capacidade privada, mas ressalvas quanto à sustentabilidade da proposta. A falta de especialistas, a dependência de mutirões e o risco de enfraquecimento do SUS no longo prazo são apontados como desafios.
Visibilidade política e execução
O governo aposta que levar pacientes do SUS a hospitais privados gerará efeito positivo na percepção da população, com ganhos políticos. A medida visa mostrar, de forma concreta, a redução das filas prometida em campanha.
A articulação com estados e municípios será crucial. Secretários de saúde esperam participar do planejamento para evitar sobrecargas e garantir o fluxo de atendimento. O Congresso também terá papel decisivo, já que a MP precisa ser aprovada em até 120 dias.
A execução da medida exigirá transparência, fiscalização e metas claras para evitar distorções, garantir a equidade e medir o custo-benefício da operação.