
Os dados divulgados pelo Sistema de Informações de Nascidos Vivos (Sinasc), tabulados pelo Estadão, mostram que o número de nascimentos no País em 2020 foi o menor nos últimos 26 anos. Foram 2.687.651 recém-nascidos, ante 2.849.146 em 2019, uma queda de 5,66%.
O impacto da pandemia no número de recém-nascidos foi maior até mesmo que o do surto de zika e microcefalia que afetou o País entre 2015 e 2016. Naquele período, em que muitos casais adiaram a gravidez por medo das sequelas deixadas pelo zika em algumas crianças, a queda de nascimentos foi de 5,3%. A última vez que o Brasil registrou um número menor de nascimentos do que em 2020 foi há 26 anos, quando, em 1994, 2.571.571 bebês nasceram.
Os nascimentos já estavam em queda ou estabilidade nos últimos anos, mas em ritmo menos acelerado. Entre 2018 e 2019, por exemplo, a diminuição no número de novos recém-nascidos havia sido de 3,2%. Já entre 2017 e 2018, o País tinha registrado leve alta de 0,7% nos nascimentos.
Os dados de 2020 analisados mês a mês demonstram que as maiores quedas percentuais ocorreram em novembro e dezembro, justamente nove e dez meses depois de o coronavírus ser confirmado no Brasil. Nesses meses, a queda foi de 9%, quase o dobro da média do ano.
A pandemia teve diferentes efeitos sobre o número de nascimentos ao redor do mundo. Uma análise feita pela The Economist em outubro observou uma tendência de queda nos nascimentos nos países de renda mais elevada, como Cingapura, enquanto o número estava em alta em regiões de renda mais reduzida, como Uganda.
No ano passado, em relação a 2019, chegou a ocorrer um movimento de queda de congelamento de óvulos, porque muitas clínicas interromperam atendimentos ou focaram em pacientes que tinham mais urgência em preservar a fertilidade, caso das mulheres com câncer.
Depois, ocorreu a retomada. “Toda vez que restringe, cria-se uma demanda reprimida, a procura para as clínicas aumentou bastante”, diz Emerson Cordts, médico ginecologista e membro da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida (SBRA).
Em clínicas de fertilização, o movimento de mulheres buscando o congelamento de óvulos cresceu até 25%, segundo especialistas. O principal perfil é o de mulheres que não estão em um relacionamento estável. “A pandemia intensificou esse processo por causa da insegurança quanto ao futuro reprodutivo”, diz Daniel Suslik Zylbersztejn, urologista e coordenador médico do Fleury Fertilidade.
O economista Aod Cunha vê com preocupação a queda de natalidade no Brasil. Ex-secretário da Fazenda do Rio Grande do Sul e professor da PUC-RS, o especialista avalia que as mudanças na pirâmide etária impõem um desafio principal ao País: aumentar a produtividade nos próximos anos. Ou, então, o crescimento econômico corre risco de ficar estagnado.
Segundo explica, o Brasil enfrenta redução acentuada no número de nascimentos desde a década de 1980, em um processo de transição demográfica mais acelerado comparado a outros países. Para ele, o País vive a fase final do chamado “bônus demográfico” – uma janela de tempo em que a pirâmide etária, com maior parcela da população em idade produtiva, favorece a economia. No caso brasileiro, o boom de natalidade foi registrado entre as décadas de 1950 e 1970. “Esse é o período que os outros países usaram para enriquecer antes de envelhecer”, afirma.