Existem pontos fundamentais para compreender minimamente a reforma tributária: um breve histórico da reforma no Brasil, os textos que estão sendo avaliados pelo Congresso, por que a reforma é importante, os benefícios dessa mudança e as dificuldades que serão enfrentadas para a aprovação do texto final. Acompanhe nossa leitura e explore alguns pontos desse assunto tão extenso, múltiplo e complexo.
Abordando o projeto de Emenda Constitucional (EC) que tramita no Senado, o relator da reforma tributária, senador Eduardo Braga (MDB-AM), afirmou no dia 26 de setembro que não entregará seu relatório em 4 de outubro, como havia prometido em 13 de setembro. Ele anunciou o adiamento durante audiência pública da Frente Parlamentar de Energia, apesar do objetivo do Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e também do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), de promulgar a reforma até o final de 2023.
Ao que nos parece, o prazo inicialmente estipulado seria exíguo para a análise de um texto tão complexo, ainda mais considerando que Emendas à Constituição não podem ter divergências entre a Câmara e o Senado, exigindo que os congressistas aprovem exatamente o mesmo texto nas duas Casas.
Não é à toa que essa substancial alteração na legislação tributária se arrasta por décadas no Brasil. Praticamente todos os presidentes tentaram implementar uma reformulação, mas sem sucesso. No seu primeiro mandato, Fernando Henrique Cardoso enviou a PEC 175/1995 para o Legislativo, mas o texto não chegou a ser votado na Câmara. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva tentou, por duas vezes, iniciar a apreciação, mas, em ambas as ocasiões, não houve avanço. A primeira proposta foi a PEC 41/2003, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados, mas empacou no Senado. Já a segunda, a PEC 233/2008, nem foi analisada pelo Plenário da Câmara.
Nos governos de Dilma Rousseff, as tentativas não passaram de ensaios ou ajustes pontuais na tributação do país por meio de Medidas Provisórias, que, em muitos casos, acabaram não sendo convertidas em lei. O mesmo ocorreu com o presidente Michel Temer, que chegou a estruturar um texto, mas que nunca foi finalizado e enviado ao Congresso.
No mandato de Jair Bolsonaro, o Ministro da Economia à época, Paulo Guedes, enviou o texto do Projeto de Lei nº 3887/2020 para análise do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, mas sem grandes avanços. No período, as duas Casas também apresentaram seus textos para o debate, e estes devem ser a base da proposta do governo – PEC 45/2019 (da Câmara dos Deputados) e a PEC 110/2019 (do Senado), que são considerados textos mais maduros e amplamente debatidos nas Casas.
Para relembrar, a PEC da reforma tributária foi aprovada na Câmara em 6 de julho. Os deputados a aprovaram em 1º e 2º turno, com 375 votos a favor e 113 contra. No Senado, a abordagem tem sido mais cautelosa.
O Senado Federal, inclusive, está contando com a ajuda externa do Tribunal de Contas da União, que está elaborando uma auditoria no modelo de alíquotas da Reforma Tributária usado pelo Ministério da Fazenda, avaliando se a projeção apresentada corresponde com o resultado pretendido.
O adiamento na entrega do relatório para a mesa diretora do Senado justifica-se pela alta complexidade do texto e pelas projeções contraditórias levantadas por fontes fidedignas.
A mudança tributária proposta será a alteração legislativa de maior impacto desde a promulgação da Constituição em 1988, pois modifica de maneira substancial toda uma estrutura de pagamento e distribuição de impostos, criada ainda no tempo do Império. Mesmo que muitas outras leis tributárias tenham modificado alguns aspectos do atual regime tributário, nenhuma delas tem a amplitude da atual proposta, que altera o sistema tributário como um todo, visando simplificá-lo, torná-lo mais previsível, mas também mais centralizador nos cofres da União. Aqui mora o perigo.
Outros pontos sensíveis são que a arrecadação, que historicamente era destinada em sua maior parte aos centros produtores, agora migrará mais para os cofres dos entes federativos consumidores. A unificação de tributos e sua centralização nos cofres da União, através do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), também são mudanças significativas.
O IVA é uma modalidade de cobrança de impostos utilizada por mais de 170 países, que tem como objetivo unificar tributos sobre o consumo. Essa modalidade é considerada moderna, pois na maioria dos países em que é usado tem poucas alíquotas, diferente do sistema tributário atual, em que temos milhares de alíquotas para serem analisadas e monitoradas.
Na esfera federal, três dos tributos a serem extintos serão o Programa de Integração Social (PIS), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Esses tributos serão unificados pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a ser arrecadada pela União.
Na esfera estadual e municipal, outros dois impostos que serão substituídos são o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), administrado pelos estados; e o Imposto sobre Serviços (ISS), arrecadado pelos municípios. Em troca, será criado um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) a ser recolhido para os Estados.
Será criado um Imposto Seletivo (IS), que consistirá em uma taxa extra aplicada a determinados produtos considerados nocivos à saúde ou ao meio ambiente, tais como agrotóxicos, cigarros e bebidas alcoólicas. As alíquotas, ainda indefinidas, serão determinadas por meio de Lei Complementar oriunda do Executivo. De certa forma, o IPI que incide atualmente sobre esses produtos já é superior ao aplicado a outros bens. O IS também poderá ser utilizado para manter a competitividade da Zona Franca de Manaus, incidindo sobre produtos industrializados fora dessa região.
O texto aprovado possibilita regimes diferenciados em relação às regras gerais, prevendo, por exemplo, alíquota zerada ou com redução de 60% ou ainda aproveitamento de créditos. Segundo o texto aprovado na Câmara, essas diferenciações deverão constar da mesma lei complementar que definirá vários aspectos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).
Caso aprovada em definitivo, a transição dos tributos antigos para os novos iniciará em 2026, quando os dois tributos serão criados com uma alíquota de 0,9% e 0,1% para CBS e IBS, respectivamente. A partir de 2027, entrará em vigor a CBS com alíquota a ser definida, sendo extintos o PIS/Pasep e a Cofins.
Nas simulações do governo, as alíquotas devem variar de um mínimo de 20,73% a um teto de 27%. Este número considera a soma do IBS, para estados e municípios, com a CBS, tributo federal, para manter a carga em 12,45% do PIB, média verificada no período 2013-2022. Atualmente, a maior parte dos bens produzidos no Brasil tem uma taxação mínima de 34%.
Uma nota técnica do Ipea aponta que, baseada na proposta aprovada na Câmara, a alíquota efetiva do novo tributo brasileiro para taxar o consumo de bens e serviços seria de 28,04%. Números do Instituto Mauro Borges de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos, do governo de Goiás, indicam até 29%.
Dada a magnitude dessas mudanças, é de extrema importância se manter informado e atento a toda movimentação acerca desse tema.