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A Caixa de Pandora

Leia a coluna de Ricardo Cavalli na Quinta da Opinião

A liberdade de pensamento e de expressão é pedra angular das sociedades democráticas. Trata-se da garantia individual que mais claramente reflete o diferencial característico dos seres humanos: a capacidade de enxergar o mundo de sua lente objetiva, assim como se comunicar com os outros, expressando ideias, experiências vividas e visões de mundo.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos contempla o direito à liberdade de expressão, considerando que a mesma seja uma peça fundamental da democracia: “Artigo 19.º: Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, este direito implica a liberdade de manter as suas próprias opiniões sem interferência e de procurar, receber e difundir informações e ideias por qualquer meio de expressão independentemente das fronteiras.”

Portanto, não há controvérsia acerca do reconhecimento internacional da liberdade de expressão como um direito humano, que, ao lado da liberdade religiosa, é um dos mais clássicos direitos civis.

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No Brasil, a liberdade de expressão foi contemplada nas três primeiras Constituições, sendo que na Constituição de 1937 (a quarta) ela foi retirada. Nessa altura, tem início o período de censura com Getúlio Vargas através do Estado Novo, sob a ótica da defesa nacional no cenário pré 2ª. Guerra Mundial.

No entanto, a Constituição seguinte, de 1946, volta a reforçar os direitos e a liberdade individual dos cidadãos. Na Constituição de 1967, a democracia volta a perder o seu lugar para o autoritarismo e a centralização do poder iniciado com o Governo militar inaugurado em 1964. A censura mais severa dos meios de comunicação foi através das medidas que integraram o AI 5 – Ato Institucional n.º 5 decretado em 1968.

Finalmente, na Constituição de 1988, o direito à liberdade de expressão foi reintegrado. É nessa altura, após o fim da ditadura, que a censura foi banida, conforme pode ser lido no parágrafo 2.º do artigo 220: “É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”

É inegável que o aprimoramento de um regime democrático exige o maior grau possível de liberdade para a discussão pública sobre os problemas da sociedade como também sobre a atuação do Estado, em todos os espectros possíveis. Ou seja, democracia pressupõe o debate livre e a deliberação sem coação sobre assuntos de interesse coletivo. Esse é o caminho da plenitude democrática. Liberdade de pensar e se expressar.

Não há, contudo, prerrogativas absolutas, na lei ou na vida. A Constituição prevê, ao lado da liberdade de expressão, inúmeros outros direitos, que devem ser exercidos em harmonia, garantindo-se o maior espaço de liberdade possível aos cidadãos. Quando tais direitos colidem, é preciso reduzir o âmbito de existência de cada um, de forma racional e ponderada, para preservar o exercício de ambos.

É o que ocorre, por exemplo, quando a expressão do pensamento afeta a honra, a intimidade ou a vida privada de terceiros, direitos também protegidos pela Constituição Federal. Aquele que difama, calunia ou injuria outros, será responsabilizado civil e ou criminalmente pelas consequências de seus atos, embora nem nessas hipóteses, pelo que se tem nas normas atuais, seja admitida censura prévia.

A liberdade não é um salvo conduto para a agressão, para a violação da dignidade alheia, e para isso existem as consequências da Lei. Na verdade, nesse momento de intensificação das relações pela forma cibernética, a liberdade de expressão está sendo colocada à prova, como nas duas últimas eleições nos Estados Unidos e as três últimas no Brasil.

Isso porque os sistemas eleitorais estão completamente imersos na onda digital da grande rede. Convém destacar que o períodos eleitoral, por ser um ambiente de disputa, naturalmente ampliam-se os pontos de controvérsia, discórdia e polêmica. Essa discussão intensa imersa na rede, de forma muito evidente, gerou uma mudança na dinâmica da disputa nas últimas eleições.

Essa grande capilarização na capacidade de produção de vídeos, lives e áudios trouxe uma amplitude gigantesca na difusão de informações, talvez, guardadas as proporções, tal qual foi a otimização da prensa tipográfica na idade média.

Essa inovação trazida para a história pelo Alemão Johann Gutenberg, no século XV, foi um dos acontecimentos mais importantes para a evolução social da humanidade através da circulação de ideias em escala nunca antes visto. A vida ocidental não seria mais a mesma partindo para a grande reforma, iluminismo e o liberalismo político.

Será que vivemos um momento que a sociedade humana dará nova guinada, ou estamos entrando apenas numa escalada de propagação desenfreada de informações agressivas e desproporcionais, chegando ao ponto de se converter em verdadeira libertinagem de expressão?

Nesse ponto, convém destacar que nosso direito fixa os limites da liberdade de expressão, criminalizando a incitação ao crime, a propaganda de fato criminoso e a prática ou a indução à discriminação e ao preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. 

Tive um professor que repetia quando lecionava Direito Constitucional – “para preservar a tolerância e a liberdade é preciso ser intolerante com aqueles que incentivam o fim das liberdades públicas pela violência.” Ou seja, o Estado de Direito não pode admitir a manifestação violenta pelo fim do próprio Estado de Direito. 

O direito à livre manifestação é pleno, desde que não afete a garantia de terceiros de exercer o mesmo direito. O ódio e o rancor apesar de serem desprezíveis, são sentimentos individuais, e como tais não há como proibi-los, mas a sua expressão na forma de violência ou ameaça não deve ser admitida sob qualquer hipótese. Para protegermos a liberdade de expressão, precisamos responsabilizar exemplarmente os criadores de notícias falsas, mas sem com isso retrocedermos ao tempo dos sensores.

O direito salvaguarda a propagação de qualquer ideia como forma legítima de manifestação humana, mesmo que estúpida, é bem verdade, responsabilizando os excessos, mas em nenhuma situação, segundo nosso ordenamento jurídico, existe a previsão de censura prévia, e ao permiti-la, mesmo que em reduzida exceção, poderemos estar abrindo a caixa de pandora, que pela mitologia grega, era uma caixa onde os deuses colocaram todas as desgraças do mundo, entre as quais a guerra e a discórdia.

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