sábado, maio 24, 2025
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Santa Catarina, um Estado Norte-Americano

Pouco conhecido do público brasileiro, Dom Pedro II foi um dos monarcas mais respeitado pelos Estados Unidos

Praia em Santa Catarina, região Sul do Brasil

Na história recente do Brasil, poucos estados , se é que algum , conseguiu conjugar de forma tão eficiente prosperidade econômica, coesão social e gestão pública como Santa Catarina. Embora ocupe apenas 1,1% do território nacional, o estado tornou-se uma exceção no mapa nacional: o segundo mais competitivo do país depois de São Paulo, o mais seguro, e, líder em indicadores de desenvolvimento humano, educação básica e geração de empregos industriais per capita além de grande exportador . Santa Catarina aparece, aos olhos desatentos, como uma anomalia — mas é, na verdade, fruto de uma construção histórica muito particular. Ao mesmo tempo , o Estado de Santa Catarina foi identificado na radicalização política como um estado frio e de direita? Qual a verdade?

É nesse ponto que o “excepcionalismo catarinense” se revela: não apenas como fenômeno estatístico ou econômico, mas como a expressão de um etos civilizatório forjado ao longo de séculos, sob a influência direta de um projeto imperial inspirado no modelo americano e conduzido por Dom Pedro II.

A geopolítica silenciosa de Dom Pedro II

Pouco conhecido do público brasileiro, Dom Pedro II foi um dos monarcas mais respeitado pelos Estados Unidos, uma jovem república , no século XIX. Durante sua visita em 1876, por ocasião do centenário da independência americana, o imperador foi recebido com honras por Ulysses S. Grant, então presidente dos EUA, e chegou a receber votos simbólicos para a presidência norte-americana — uma curiosidade que ilustra a admiração que despertava.

Mas o interesse do imperador ia além da diplomacia: Dom Pedro II via nos EUA um modelo alternativo de desenvolvimento, baseado na liberdade econômica, na educação pública, na propriedade privada familiar e no trabalho livre. O excepcionalismo norte-americano , contado por Alexis de Tocqueville em Democracia na América , era para ele, um contraponto ao latifúndio escravocrata dominante no nordeste e no centro-sul do Brasil. E foi no sul do território nacional — então praticamente um vazio demográfico — que ele resolveu aplicar uma política deliberada de ocupação com imigrantes europeus, isentos da herança colonial escravista, capazes de constituir um novo modelo social e econômico.

O Sul seria, portanto, uma tentativa de um Brasil alternativo — e, no centro dele, Santa Catarina. Foi assim que , mediante companhias de colonização se repetiu o modelo de ocupação das treze primeiras colônias norte-americanas, do qual , na minha opinião , Santa Catarina e o nordeste do Rio Grande do Sul virariam emulações muito próprias : colônias do tipo norte-americanas nos trópicos . A Rua das Palmeiras em Blumenau tem esse rosto , de casarões coloniais circundando palmeiras imperiais .

O nascimento do “Brasil Novo”

A colonização do sul do Brasil com imigrantes primeiramente açorianos , depois italianos, alemāes , eslavos e nórdicos não foi casual. Era uma estratégia de defesa territorial, sobretudo frente a potenciais ameaças de países como a Espanha e a Alemanha, com interesses na região. Mas foi também uma tentativa de criar um “Brasil Novo”, como chamou Darcy Ribeiro. Um Brasil que não nascia das senzalas e do latifúndio, mas da pequena propriedade familiar, da ética protestante, do trabalho assalariado e da cultura associativista. A miscigenação racial do Sul se daria de forma diferente misturando europeus novos aos de origem Ibérica e açoriana , indígenas , negros e caboclos .

Santa Catarina tornou-se, nesse contexto, o principal núcleo desse novo Brasil. Suas colônias não escravocratas, organizadas em cooperativas e pautadas por um espírito comunitário, geraram um modelo de produção diferenciado, centrado em pequenas e médias empresas industriais e agrícolas. Ao contrário do Sudeste, onde o Estado historicamente dominava a lógica econômica, em Santa Catarina o protagonismo sempre foi do cidadão e do empreendedor. É o estado com o maior número de empresas per-capita.

Esse padrão cultural e econômico que também ocorria em boas partes do Rio Grande do Sul, algumas partes do Paraná , mais adiante, a partir do Rio Grande orientou-se para o Centro-Oeste , Norte e Oeste da Bahia — um fenômeno que podemos chamar de “Brasil Novíssimo”.

O Brasil Novíssimo: o agro como continuação do Sul

A expansão do agronegócio brasileiro no século XX, especialmente no Centro-Oeste, é muitas vezes contada como resultado da modernização técnica e da ocupação territorial. Mas há outro fator decisivo: a migração sulista. Agricultores e empresários rurais vindos do Sul , levaram para o Centro-Oeste não só sementes e tratores, mas um modo de vida baseado na mesma ética de trabalho, cooperação e produtividade. De muitas maneiras , a conquista do nosso centro-Oeste repete a saga das colônias originais em direção ao oeste norte-americano , e ali ela se encontra com brasileiros de todas as partes . Eles , no passado , com seus carroções e cowboys , e nós , mais tarde com grandes caminhões em estradas de muita lama .

Esse modelo de “colonização interna” , liderado por gaúchos , catauchos e paranaenses , se consolidou com o avanço da soja, da integração lavoura-pecuária, da mecanização e do cooperativismo, fazendo do Centro-Oeste a nova fronteira produtiva do Brasil. Mas seu DNA continua sendo bastante sulista — e, no epicentro dele forjado pelas colônias imaginadas por D. Pedro II.

Uma cultura política mal compreendida

Ao contrário da caricatura que muitas vezes se impõe a Santa Catarina como um reduto “conservador”, o estado teve uma trajetória política plural e, em certo sentido, progressista. Desde a redemocratização, votou majoritariamente no MDB — partido de oposição ao regime militar — e permitiu que o PT governasse suas principais cidades em ao menos um ciclo eleitoral: Florianópolis, Joinville, Blumenau, Criciúma, Chapecó, Concórdia, entre outras.

Mais do que conservadorismo ideológico, o que sempre prevaleceu em Santa Catarina foi uma cultura de resultados, pragmática, avessa a ideologias vazias e centralismos burocráticos. A guinada à direita no pós-2013 — muitas vezes interpretada como radicalização — é, antes, um reflexo do cansaço do catarinense com os escândalos de corrupção, a ausência de retorno fiscal e o sentimento recorrente de ser explorado por Brasília. Até então , Santa Catarina era um Estado eleitor da social democracia reformista do PSDB .

De fato, Santa Catarina contribui nove vezes mais ao orçamento da União do que recebe de volta. É o segundo estado que mais perde na balança fiscal federativa, atrás apenas de São Paulo. Em Brasília , o mote é: Santa Catarina e São Paulo não precisam.

O estado que cresceu sem mercado interno

Santa Catarina também é exceção por ter construído uma economia voltada à exportação e à integração logística , — e não dependente do mercado consumidor local. Com seis portos, uma base industrial diversificada, forte presença do setor tecnológico (notadamente em Florianópolis e Joinville) e um turismo que vai da neve à praia, o estado soube usar sua pequena escala como vantagem comparativa. Balneário Camboriú e Itapema passam a imagem de Dubais brasileiras , e logo sofrem ataques por parecerem bem sucedidas com prédios de até 500 metros de altura . Essa é a verdade destes 12 km de praia , com paz e segurança pública – mas são um pedaço pequeno de um litoral de 600 kms de praias naturais , boas para surfe e veraneio . Somente o Parque Estadual do Acaraí tem mais de 20 km de praia que são reserva natural . E a própria capital , Florianópolis , conta com mais de 60 porcento de seu território composto de reservas ambientais – ao mesmo tempo sendo a capital nacional das start-ups . Digo isso para contrapor os clichês que não resumem a ópera . O estado é um dos lugares mais diversos do planeta , segundo o estudo da Oxford Economics para o WTTTC , não se encaixa na reduzida e superficial da opinião pública nacional .

Marcas nacionais e internacionais nasceram em solo catarinense: WEG, Hering, Karsten, Tupy, Aurora , Tigre, Perdigão, Sadia. E mesmo com baixo crescimento vegetativo da população, o estado se mantém dinâmico graças à imigração interna e externa — especialmente de gaúchos , paranaenses , paraenses e venezuelanos e haitianos.

Limites ao crescimento

Apesar de todos esses avanços, Santa Catarina ainda esbarra em gargalos. A infraestrutura viária e aeroportuária , bem como de saneamento, são insuficientes . Faltam investimentos em rodovias estruturantes, integração ferroviária e conectividade aérea regional. O estado também carece de mais recursos federais para fazer frente ao crescimento urbano e às demandas sociais crescentes. Previsão do IBGE antevê que Santa Catarina poderá ultrapassar o Rio Grande do Sul em PIB e população em 2046 , e passar o pujante Paraná em 2056 . O que por si só elevará o teste às qualidades do excepcionalismo catarinense à homogeneização do Brasil , como disse o Professor Ignacy Sachs , de Paris .

Além disso, enfrenta o desafio da sucessão geracional nas pequenas e médias empresas, muitas ainda familiares, e a necessidade de se adaptar à revolução digital e à nova economia verde.

Uma lição para o Brasil

Santa Catarina representa, talvez, sem ufanismo , em boa parte , o Brasil que poderíamos ser — e não conseguimos. Um país que valoriza o trabalho, fomenta a produção, cobra resultados dos gestores públicos, respeita o mérito e cultiva a coesão social. Um “país “ que não espera do Estado uma solução mágica, mas tampouco tolera ser abandonado por ele. Não excluo que o que acabo de dizer seja mal-interpretado pelo radicalismo e pelos complexos que habitam parte da alma nacional , “ o complexo de vira-lata “ como entendido por Nelson Rodrigues, um gênio do Brasil , e de alma lindamente carioca .

O excepcionalismo catarinense não é arrogância — é coerência histórica. E parte importante da alma nacional. É o resultado de séculos de construção institucional, cultural e produtiva. É uma herança, mas também um projeto vivo. Suas causalidades não são mensuradas , como quase nada é na história da vida econômica e social do Brasil . Mais fácil tem sido dizer : isso não é Brasil .

Num Brasil fragmentado entre clientelismos, dependência estatal e instabilidade política, Santa Catarina se mantém como um farol, admirado , na prática por quem conhece seus resultados socioeconômicos. E como dizia Dom Pedro II — esse brasileiro que teve votos para presidente dos EUA —, “governar é educar”. Eu diria também, depois de séculos , que governar começa com o “aprender “. O Brasil tem muitas lições de sucesso , para quem se interessa por sucesso, e Santa Catarina é uma delas. Aproveitar ou não é outra questão.

Por Autor Vinícius Lummertz

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