
O governo federal instituiu um novo modelo de repasse de recursos na área da saúde que tem sido comparado por especialistas e críticos ao antigo “orçamento secreto”, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2022. A medida prevê a destinação inicial de R$ 3 bilhões a pedidos de prefeitos por meio do Ministério da Saúde, com indicações políticas indiretas feitas por parlamentares aliados, mas sem a identificação dos autores das demandas.
O novo arranjo foge das emendas parlamentares tradicionais e centraliza o processo em lideranças partidárias e técnicos internos do ministério, em um modelo que privilegia a confidencialidade. O governo, por sua vez, argumenta que está atendendo a demandas municipais com mais agilidade, embora sem divulgar quem indicou cada destinação.
Como funciona a nova distribuição
Cada deputado federal poderá indicar até R$ 5 milhões, enquanto senadores terão um limite de R$ 18 milhões. Os valores serão distribuídos mediante pedidos realizados por prefeitos via sistema digital do Ministério da Saúde. No entanto, os nomes dos parlamentares que sugerem os repasses não aparecem nos processos, o que impede o rastreio direto das indicações.
As lideranças partidárias na Câmara e no Senado centralizam o envio dessas listas ao governo. Mariângela Fialek, conhecida como “Tuca”, compila as demandas na Câmara; no Senado, a tarefa fica a cargo de Ana Paula Magalhães Lima, chefe de gabinete do presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP).
Os repasses serão divididos entre serviços de Média e Alta Complexidade (60%) e o Piso da Atenção Primária (40%), conforme as demandas locais, mas com forte peso político: deputados que se opuseram ao governo em votações sensíveis, como mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), terão cortes de até 40% no valor que podem indicar.
Críticas: “orçamento secreto 2.0”
A falta de transparência e a concentração do controle nas mãos de lideranças políticas ressuscitam as mesmas críticas que cercaram as emendas de relator, conhecidas como RP9, utilizadas durante o governo Bolsonaro. O STF considerou esse mecanismo inconstitucional, apontando risco de uso eleitoreiro e ausência de mecanismos de fiscalização.
Especialistas alertam que o novo modelo, embora com outra roupagem, repete práticas opacas ao misturar critérios políticos e técnicos na destinação de verbas essenciais para a saúde pública. O ex-presidente do TCU, José Múcio Monteiro, e entidades como a Transparência Brasil alertam para o enfraquecimento dos controles democráticos.
Governo se defende
O Palácio do Planalto sustenta que a medida garante agilidade no atendimento a municípios, além de respeitar critérios técnicos do Ministério da Saúde. Alega-se que não há ilegalidade no procedimento, uma vez que as transferências respeitam as regras administrativas vigentes e são formalmente registradas.
Ainda assim, a ausência de publicidade sobre os autores das indicações e a vinculação dos valores ao alinhamento político com o governo criam um ambiente de suspeita. O caso já repercute no Congresso e promete acirrar o debate sobre o uso de recursos públicos como ferramenta de negociação política.