
Jair Bolsonaro foi tornado réu nesta quarta-feira (26) por unanimidade pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de liderar uma organização criminosa que tentou um golpe de Estado após as eleições de 2022. A denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), aceita por 5 votos a 0, aponta que o ex-presidente articulou com aliados e militares de alta patente para reverter o resultado eleitoral. Poucas horas após a decisão, Bolsonaro reagiu publicamente, negando as acusações, atacando duramente o ministro Alexandre de Moraes e dizendo que está sendo vítima de um processo com motivações políticas.
Réu por tentativa de golpe
A denúncia transformada em ação penal envolve Bolsonaro e outros sete aliados, entre eles ex-ministros, militares e assessores. O STF considerou que há indícios suficientes de que o ex-presidente participou da elaboração de uma minuta golpista para anular o resultado das eleições de 2022, que deram vitória ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A peça foi apresentada pelo então ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, em delação premiada.
Entre os crimes atribuídos ao ex-presidente estão tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado contra patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. As penas somadas podem ultrapassar 40 anos de prisão.
“Grave e infundada”: a reação de Bolsonaro
Em coletiva de imprensa realizada poucas horas depois da decisão, Bolsonaro negou qualquer articulação golpista, disse que a acusação é “grave e infundada” e insinuou que existe motivação pessoal de Alexandre de Moraes no processo. “Parece que tem algo pessoal contra mim”, declarou.
Em tom de desabafo e alerta, o ex-presidente afirmou que sua saída do país, ainda em dezembro de 2022, foi estratégica: “Se eu tivesse ficado, estaria preso ou morto”. Também voltou a defender o voto impresso, classificando-o como um direito, e lançou dúvidas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas.
Ataques ao STF e a Alexandre de Moraes
Bolsonaro direcionou críticas incisivas ao relator do processo no STF, o ministro Alexandre de Moraes. Acusou o magistrado de parcialidade, de manter sigilos injustificados no inquérito e de conduzir o julgamento com objetivo de perseguição. “Estou sendo acusado de tentativa de golpe. Alguns devem ter percebido a forma incisiva que o ministro Moraes conduz. O que ele quer esconder?”, questionou, em tom provocador.
O ex-presidente também disse que não foi citado em nenhum dos acordos de colaboração premiada firmados com investigados nos atos golpistas de 8 de janeiro, e que “ninguém me procurou para fazer nada de errado”. Em sua visão, a denúncia se baseia em suposições, não em evidências concretas.
Redes sociais: julgamento político e teorias de perseguição
Antes mesmo do veredito do STF, Bolsonaro se antecipou nas redes sociais, classificando o processo como uma “pressa injustificada”. Comparou a tramitação de sua denúncia com o andamento de casos passados como o Mensalão e a Lava Jato, afirmando que seu processo é “14 vezes maior e 10 vezes mais rápido” do que o de Lula. Acusou o STF de realizar um “julgamento político” e não jurídico, afirmando que seu afastamento da vida pública é o verdadeiro objetivo dos ministros.
Ele ainda escreveu que seus adversários “têm medo das urnas” e tentam eliminá-lo por meio do “tapetão jurídico”. Mencionou que a comunidade internacional estaria observando o que chamou de um “roteiro típico de países como Nicarágua e Venezuela”, onde, segundo ele, a oposição é sufocada por decisões judiciais.
Aliados reagem: oração, indignação e discurso de perseguição
Durante o julgamento, Bolsonaro se reuniu com aliados no gabinete do filho, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). A ex-ministra Damares Alves conduziu uma oração em voz alta, pedindo sabedoria para o ex-presidente e proteção divina diante do que chamou de “dia histórico”.
Após o julgamento, lideranças do PL e da oposição engrossaram o discurso de perseguição. A deputada Caroline de Toni (PL-SC) declarou que “o Estado de Direito é que está sendo julgado”. O senador Carlos Portinho (PL-RJ) disse que se trata de um processo sobre um golpe que “não existiu”, e chamou o STF de “Estado Judiciário de Exceção”. Já o senador Rogério Marinho (PL-RN) criticou a rapidez do processo e cobrou respeito à ampla defesa.
Governistas comemoram e pedem punição exemplar
Do outro lado do espectro político, parlamentares governistas celebraram a decisão como uma vitória da democracia. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que a Justiça agiu com base em provas. O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues, declarou que o julgamento é também sobre a “resistência da democracia brasileira”. O senador Humberto Costa (PT-PE) foi ainda mais direto: “A cadeia está cada vez mais perto”, escreveu em suas redes.
Defesa contesta legalidade e mira na delação de Mauro Cid
O advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, criticou a decisão do STF e alegou que a defesa não teve acesso completo a elementos importantes do processo. Ele afirmou que a estratégia será combater o que considera cerceamento do direito de defesa e questionar a validade das provas, em especial os trechos da delação de Mauro Cid.
A equipe jurídica do ex-presidente já tentou anular a colaboração premiada do ex-ajudante de ordens, mas sem sucesso. Agora, a defesa poderá apresentar testemunhas e requerer diligências durante a fase de instrução processual.
O que vem pela frente
Com a aceitação da denúncia, o processo entra em fase de instrução, na qual serão ouvidas testemunhas e analisadas provas. Bolsonaro e outros réus indicaram mais de 130 testemunhas, entre elas o presidente Lula e o próprio ministro Alexandre de Moraes.
O julgamento final pode ocorrer ainda em 2025. Se condenado, Bolsonaro poderá cumprir pena que, somada, ultrapassa 40 anos de prisão, além de já estar inelegível por decisão do Tribunal Superior Eleitoral.
Nos bastidores, especula-se que o ex-presidente avalia diferentes cenários, incluindo a possibilidade de deixar novamente o Brasil ou de lançar outro nome da direita para disputar a presidência em 2026. Enquanto isso, segue apostando no discurso de perseguição para mobilizar sua base.
Com a resposta desafiadora e repleta de ataques ao STF, Bolsonaro deixa claro que sua estratégia será travar a disputa política também dentro do tribunal. A polarização continua e os próximos passos do julgamento prometem esquentar ainda mais o clima político no Brasil.