
A tragédia escancarada nas águas do Rio Grande do Sul deveria comover e mobilizar todas as forças políticas do país. Com mais de 2,4 milhões de pessoas afetadas, 184 mortes, 2.400 casas destruídas e mais de 30 mil empregos perdidos, a região mergulhou no caos. Mesmo diante do cenário devastador, o governo federal repassou diretamente pouco mais de R$ 2,5 bilhões em auxílios financeiros à população — o equivalente a cerca de R$ 1 mil por pessoa afetada, quando se divide o valor entre todos os atingidos. Um valor insuficiente até para comprar móveis básicos para recomeçar a vida.
Enquanto isso, os números da cultura saltam aos olhos: só nos dois primeiros anos do governo Lula 3, foram autorizados R$ 34,4 bilhões via Lei Rouanet, o maior valor da história da legislação. Não se trata de criticar o investimento em cultura, mas sim de questionar a desproporção brutal entre o que o governo destina a artistas e projetos incentivados por renúncia fiscal e o que entrega para quem perdeu tudo — casa, renda, emprego, familiares — diante da maior tragédia climática do estado.
Onde está a prioridade?
A pergunta que ecoa entre os escombros das cidades submersas e os abrigos improvisados é: por que tamanha urgência para a cultura, e tão pouca efetividade para a reconstrução de vidas reais? Não há um só artista consagrado esperando socorro em cima de telhado ou em barcos de resgate. Já os gaúchos, sim. Eles esperam desde abril por uma resposta à altura do que enfrentaram.
A política de distribuição de recursos mostra o quanto o discurso social do governo é seletivo. A retórica é de justiça social, mas a prática revela um modelo distorcido de prioridades, onde os vulneráveis do palco têm mais valor que os vulneráveis das enchentes.
Conclusão:
O que se viu no Rio Grande do Sul foi a repetição do velho Brasil: o das promessas, da retórica humanista e das cifras generosas para setores politicamente próximos, enquanto a população em calamidade recebe esmolas oficiais, disfarçadas de ajuda emergencial. É tempo de parar com o marketing da bondade seletiva e agir com a seriedade e proporcionalidade que a realidade exige. Porque nenhuma peça de teatro vale mais que uma vida perdida na lama.