
A decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes que mudou, na prática, o rito de impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) é um dos movimentos mais controversos recentes na relação entre Judiciário, Congresso e sociedade. Ao restringir a legitimidade para apresentar denúncias à Procuradoria-Geral da República (PGR) e elevar o quórum de abertura do processo para dois terços do Senado, o ministro não apenas interpretou a lei. Ele redesenhou o caminho para responsabilizar os próprios integrantes da Corte.
Hoje, o recado que fica é simples e preocupante: se já era difícil avançar com um processo de impeachment contra ministro do STF, agora ficou quase impossível.
A Lei nº 1.079/1950, a Lei do Impeachment, estabeleceu por décadas o modelo de responsabilização de altas autoridades, incluindo ministros do STF. Gilmar Mendes, ao suspender trechos centrais dessa lei, afirmou que parte desses dispositivos não teria sido “recepcionada” pela Constituição de 1988 e que, em alguns pontos, a norma teria “caducado” com o tempo.
O problema não é discutir se a lei de 1950 precisa ser atualizada. O problema é fazer essa “atualização” por decisão individual e provisória de um ministro, em vez de por meio de debate público no Congresso ou de julgamento colegiado no próprio Supremo. Quando um só juiz, em liminar, esvazia o efeito de uma lei inteira em tema sensível de separação de poderes, a fronteira entre interpretar e legislar fica perigosamente borrada.
Um dos pontos mais graves é a mudança na porta de entrada do processo: antes, qualquer cidadão podia apresentar denúncia por crime de responsabilidade contra ministros do STF ao Senado. Agora, essa iniciativa fica concentrada na mão de uma única autoridade — o procurador-geral da República.
Na teoria, o filtro da PGR serviria para afastar pedidos abusivos e denúncias sem fundamento. Na prática, cria-se um funil político. O chefe do Ministério Público é indicado pelo presidente da República, atua em constante diálogo com o Supremo e é figura central no jogo de poder em Brasília. Transformar o PGR em porteiro exclusivo do impeachment de ministros é reduzir drasticamente as possibilidades reais de responsabilização.
Somado a isso, o aumento do quórum para o Senado receber a denúncia torna o processo ainda mais distante. Se o impeachment já era uma ferramenta excepcional, passa a ser quase uma ficção: existe no papel, mas dificilmente sairá do lugar.
Do ponto de vista democrático, a decisão de Gilmar Mendes tem um efeito claro: enfraquece o Senado e fortalece ainda mais o STF. A Constituição deu ao Senado a função de atuar como “tribunal político” em casos de crime de responsabilidade. Ao impor novas barreiras de acesso ao processo, sem que o próprio Senado tenha deliberado sobre isso, a decisão mexe nas regras do jogo sem ouvir um dos principais jogadores.
Não por acaso, a reação no Congresso foi imediata. Senadores passaram a falar em propostas para limitar decisões monocráticas em temas que atinjam diretamente as competências do Legislativo. Há um incômodo crescente com a sensação de que o Supremo não apenas julga, mas também reescreve as regras às quais ele mesmo deveria estar submetido.
É impossível ignorar o contexto político da decisão. Nos últimos anos, cresceram no Senado os pedidos de impeachment contra ministros do STF, muitos deles voltados a figuras de grande exposição, como Alexandre de Moraes. E é real a possibilidade de, em futuras legislaturas, o Senado se tornar mais hostil à Corte.
Nesse cenário, a liminar de Gilmar Mendes é vista por muita gente como um gesto de blindagem preventiva: uma forma de tornar o impeachment tão difícil que ele quase deixa de ser uma ameaça concreta. O próprio ministro nega qualquer intenção de proteger colegas e afirma querer evitar o uso “eleitoreiro” do instituto. Mas, em política, não basta a intenção declarada. Importam o timing e os efeitos concretos.
O resultado é que cresce na sociedade a sensação de autodefesa corporativa: quando o ambiente político aperta, o Supremo fecha as janelas, em vez de abrir mais espaço para escrutínio e transparência.
O efeito mais perigoso da decisão talvez não esteja nos seus detalhes jurídicos, mas na percepção que ela reforça. Para uma parte crescente da população, o STF já aparece como um poder que fala por último sobre tudo e quase nunca é cobrado por isso. Quando esse mesmo poder torna ainda mais difícil qualquer forma de responsabilização de seus membros, a impressão de que vive “acima de todos” só aumenta.
Esse sentimento alimenta discursos antissistema e antipolítica, que não ajudam em nada a democracia. Em vez de contribuir para pacificar a relação entre poderes, a decisão de Gilmar Mendes tende a acentuar conflitos e desconfianças. No fim das contas, o ministro diz combater o uso irresponsável do impeachment. Mas, ao concentrar poder na PGR, reduzir o protagonismo do Senado e afastar o cidadão comum do processo, o remédio escolhido parece pior que a doença. Se o Brasil precisa discutir seriamente como responsabilizar autoridades de todos os poderes — inclusive ministros do STF —, essa conversa deve acontecer à luz do dia, no Congresso e em decisões colegiadas, e não nas sombras de uma decisão individual.
NOTA PÚBLICA: https://www.oab-sc.org.br/noticias/nota-publica/24385

A OAB/SC, através do Conselho Pleno e do Colégio de Presidentes de Subseções, no exercício de sua função institucional de defesa da ordem jurídica, do Estado Democrático de Direito e das garantias fundamentais, posiciona-se contrariamente à decisão liminar do STF que retira dos cidadãos brasileiros a legitimidade para propor impeachment de Ministros do Supremo Tribunal Federal, bem como, à deliberação do Congresso Nacional que, ao deliberar sobre a Lei de Diretrizes Orçamentárias, aumentou em R$ 160 milhões as despesas do Fundo Partidário e aprovou um gasto anual de 4,9 bilhões de reais.
A decisão liminar do STF — especialmente a restrição da legitimidade ativa e a elevação excessiva do quórum para o processamento das denúncias — representam inequívoca afronta à Constituição Federal, pois fragilizam os mecanismos de controle democrático, reduzem a efetividade do sistema de freios e contrapesos e desestabilizam o equilíbrio entre os Poderes da República estabelecido pelo texto constitucional, criando obstáculo desproporcional à responsabilização de autoridades, comprometendo a transparência, a fiscalização institucional e a própria soberania popular.
E o Congresso Nacional, ao extrapolar o exercício de sua competência constitucional, ampliou despesas partidárias custeadas pelo erário, em detrimento de necessários investimentos em saúde, educação e segurança, tão necessários em nosso país.
Assim, a OAB catarinense acionará a Comissão Nacional de Estudos Constitucionais para a OAB ingressar com medidas judiciais contra a decisão do STF que restringe à PGR a formulação de denúncia em face aos ministros da Corte, bem como, contra o aumento do fundo eleitoral para R$ 4,9BI.
A OAB/SC reafirma seu compromisso histórico com a defesa intransigente da Constituição Federal e das instituições democráticas, repudiando qualquer proposta que restrinja direitos, a participação cidadã e os mecanismos constitucionais de controle, a comprometer a estrutura constitucional e os valores essenciais do Estado Democrático de Direito.
Florianópolis, 05 de dezembro de 2025
Colégio de Presidentes da OAB/SC
Conselho Pleno da OAB/SCAssessoria de Comunicação da OAB/SC





