
Ana Paula da Silva Mota, de 30 anos, dirigia um caminhão de minério em uma estrada a apenas 550 metros da barragem quando ocorreu o rompimento. — Foto: VITOR FLYNN/BBC NEWS BRASIL
Informações G1
Às 12h28 – momento em que a barragem rompeu – a motorista dos megacaminhões da Vale olhou em direção às montanhas que circundam a mina Córrego do Feijão e viu uma imensa avalanche emergir do local onde ficava a barragem principal, a apenas 550 metros de onde estava.
“A onda veio muito rápido. Mas também parecia que estava em câmera lenta. É algo muito estranho, não consigo explicar”, fala Ana Paula, mãe de uma menina de 8 anos e um menino de 3 anos.
O local onde a funcionária da Vale estava era o trecho final de uma estrada de terra que descia desde a área de extração de minério, no alto, até o terminal de carregamento do trem, na parte mais baixa do complexo mineiro, muito perto da barragem.
Nessa estrada, Ana Paula dirigia o gigantesco e potente Fora de Estrada 777, veículo usado para transportar minério, com cinco metros de altura e 11 de comprimento – o pneu, por exemplo, é mais alto que a motorista. Na sua caçamba, havia 91 toneladas de minério, que seriam despejados nos vagões do trem.
No primeiro momento, Ana Paula não entendeu o que estava acontecendo. “Achei que era uma detonação na mina”, diz ela. Só instantes depois, compreendeu que a barragem havia estourado. “A gente achava que essa barragem estava seca. Olhando de cima, parecia um campo de futebol, firme, duro, não tinha esse lamaçal. Ninguém imaginava que estava assim por dentro”, conta.
Mas, “quando caiu a ficha, peguei o rádio transmissor (do veículo) e comecei a gritar desesperada: ‘corre, foge, a barragem estourou’. Quem estava naquela faixa (de rádio) me escutou gritando. Depois, fiquei sabendo que teve gente que escapou porque ouviu uma mulher chorar e gritar no rádio. Era eu”, diz ela.
Ana Paula ainda tentou chamar a central pelo rádio, mas escutou apenas um silêncio – o local havia sido rapidamente soterrado.
Enquanto a barragem se rompia, um outro megacaminhão de minério começava a subir a estrada onde estava Ana Paula, no sentido oposto. Vazio, tinha acabado de descarregar minério nos vagões do trem.
O motorista, que dirigia de costas para a barragem, estava alheio à iminência da tragédia. Como o veículo é muito barulhento, o trabalhador usava protetores auriculares, que podem ter impedido que ouvisse o rompimento do reservatório e o som de árvores e construções sendo engolidas pela lama.
Foi Ana Paula quem o alertou. “Eu buzinei e dei luz, desesperada, para avisar meu colega. Ele não ouviu minha buzina, mas acabou percebendo o sinal de luz e acelerou para subir a estrada”.
Mas havia outro problema: a estrada não comportava a passagem simultânea de dois caminhões de minério. Então, para que o colega pudesse acelerar, Ana Paula teve que tomar uma decisão corajosa e arriscada: encostou seu Fora de Estrada à direita da via e ficou parada, adiando a própria fuga. Enquanto isso, a lama ia varrendo a mina.
“Se não fosse isso, a onda tinha quebrado em cima dele. Foi por muito pouco”, conta a funcionária da mina Córrego do Feijão.
Depois de passar por Ana Paula, esse segundo megacaminhão subiu por uma estrada lateral e se afastou da destruição da lama. Esse momento, ocorrido às 12h29, foi registrado por uma câmera de segurança da Vale – a mesma que gravou o rompimento da barragem, um minuto antes.
A imagem do veículo em fuga foi exibida pelas emissoras de TV na última sexta-feira. Quando viu a cena, Ana Paula relembrou de tudo que viveu e quase desmaiou. “Fiquei com tontura, meu corpo ficou bambinho”, relata. Já o colega que dirigia o veículo mostrado na mídia, ainda muito abalado, não quis dar entrevista – por isso, a BBC News Brasil optou por preservar seu nome.
Após o colega conseguir fugir, era a vez de Ana Paula fazer algo para sair dali. A missão era difícil, já que a frente do seu megacaminhão estava virada para a direção oposta à rota de fuga. Manobrar o veículo era impossível – a estrada era estreita, o veículo enorme, e não haveria tempo para isso.
Foram cerca de 150 metros de ré – sempre de frente para a barragem, observando toda a destruição causada pela lama. Até que Ana Paula chegou ao entroncamento da estrada pela qual seu colega havia subido minutos antes. Então, embicou o megacaminhão de frente e dirigiu para longe dali.
Essa cena também foi captada pela câmera de segurança da Vale. Às 12h31, três minutos após o rompimento da barragem, quando parecia não haver mais vida alguma naquele local, o Fora da Estrada 777 de Ana Paula emergiu da poeira que havia sido levantada pela passagem da lama. Carregado de minério, o veículo se movia lentamente, último sobrevivente daquele campo de guerra.
“Se eu tivesse entrado em choque, paralisado, como aconteceu com muita gente, não teria saído dali. Eu acho que foi Deus que deixou minha cabeça boa para fazer o que eu fiz”, acredita a motorista dos super caminhões.
Já fora de risco, a única coisa em que Ana Paula pensava era abraçar os filhos. Desde a tragédia, o mais novo pede abraços a todo momento. “Meu psicológico está abalado, mas tenho que ter força pelos meus filhos”.