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Proposta de redução de jornada divide opiniões e gera mobilização popular
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), que visa reduzir a jornada de trabalho de seis dias de trabalho e um de folga (6×1) para quatro dias de trabalho e três de descanso (4×3), tem gerado um intenso debate público e político. A proposta, que ganha popularidade nas redes sociais, enfrenta, por outro lado, duras críticas de especialistas que alertam para seus potenciais efeitos negativos na economia, especialmente para micro e pequenas empresas.
A medida, ainda não protocolada na Câmara dos Deputados, precisa de 171 assinaturas para iniciar a tramitação e foi impulsionada pelo Movimento Vida Além do Trabalho (VAT), que defende melhores condições de vida para os trabalhadores brasileiros. Entretanto, especialistas apontam que a proposta pode aumentar o desemprego, pressionar a inflação e elevar a informalidade no país.
Ausência de estudo de impacto econômico preocupa
A deputada Erika Hilton, autora da proposta, reconhece que não há estudos de impacto econômico para a realidade brasileira, e justifica sua iniciativa com base em práticas adotadas em outros países. A parlamentar afirma que a mudança é necessária para ajustar o mercado de trabalho às demandas por melhor qualidade de vida e combater a precarização da mão de obra. No entanto, analistas apontam que a ausência de dados sobre possíveis consequências torna a proposta arriscada.
Para Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia da USP, a proposta ignora a questão central da produtividade, essencial para qualquer negociação sobre carga horária. Segundo ele, as empresas teriam de pagar mais por menos trabalho, o que poderia tornar o trabalho mais caro e inviável para muitas pequenas empresas. “As grandes empresas poderão compensar essa redução com modernização, mas as pequenas e médias, com baixa margem de lucro, enfrentarão grandes dificuldades.”
Impactos possíveis: Desemprego e aumento da informalidade
Especialistas também alertam que, caso aprovada, a redução de jornada com manutenção dos salários pode elevar os custos trabalhistas, forçando pequenos e médios empregadores a adotar medidas drásticas, como aumentar o preço dos produtos ou cortar postos de trabalho. Segundo dados do Ministério da Fazenda de 2022, micro, pequenas e médias empresas representam 99% dos negócios no Brasil.
A advogada Juliana Mendonça, especialista em Direito e Processo do Trabalho, afirma que a medida pode levar os empresários a evitar contratações formais, preferindo contratar trabalhadores como autônomos ou pessoas jurídicas para reduzir custos, o que agravaria a informalidade e enfraqueceria ainda mais o vínculo empregatício.
Desafios constitucionais e próximos passos
A proposta da deputada Hilton ainda precisa superar desafios jurídicos para ser aprovada. Juristas argumentam que a PEC pode ser inconstitucional, pois feriria os princípios de livre iniciativa e liberdade econômica consagrados na Constituição. André Marsiglia, constitucionalista, aponta que legislações com objetivos de popularidade tendem a ser inviáveis na prática, prejudicando a economia e gerando instabilidade.
Se o requerimento conseguir as assinaturas necessárias, a PEC será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e por uma comissão especial antes de ir a plenário. O processo legislativo exigirá maioria qualificada de 308 votos em dois turnos para a aprovação.
Movimento popular e a repercussão nas redes sociais
A proposta, lançada em 1º de maio, ganhou notoriedade nas redes sociais graças ao Movimento Vida Além do Trabalho, que conseguiu 1,5 milhão de assinaturas em um abaixo-assinado a favor da redução de jornada. A mobilização popular tem pressionado parlamentares, incluindo alguns da direita, que passaram a manifestar apoio ao projeto. Entre eles, estão Fernando Rodolfo (PL-PE) e Cleitinho (PL-MG), que publicamente afirmaram ser necessário “repensar o modelo de trabalho no Brasil”.
Mesmo com o apoio popular, os críticos afirmam que reduzir a jornada sem um estudo aprofundado é um risco e alertam que a medida poderia ter consequências negativas para a classe trabalhadora e para a economia nacional.