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A questão do controle das finanças públicas voltou ao centro do debate político e econômico no Brasil, com duas frentes principais trazendo propostas distintas para lidar com o crescente endividamento e a sustentabilidade fiscal do país. O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, e a Confederação Nacional do Comércio (CNC) expressaram preocupações sobre a trajetória da dívida pública e os gastos obrigatórios, destacando a necessidade urgente de reformar a máquina pública e de buscar soluções que equilibrem as contas sem prejudicar o crescimento econômico.
O apelo do secretário do Tesouro: controle e sustentabilidade dos gastos públicos
Em recente entrevista, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, voltou a defender um maior controle sobre os gastos públicos no governo Lula. Segundo Ceron, é necessário um “olhar mais consistente” sobre as despesas obrigatórias que têm pressionado as contas públicas, com foco na sustentabilidade das políticas públicas sem a necessidade de cortar programas sociais essenciais. O secretário destacou que, ao invés de cortes diretos, o governo deve focar em adequar a dinâmica dos gastos para garantir sua sustentabilidade a longo prazo.
Ceron enfatizou que o cumprimento das metas fiscais estabelecidas pelo arcabouço fiscal será fundamental para melhorar o resultado fiscal do país de forma gradual, ano após ano. Isso não só permitirá uma maior previsibilidade econômica, mas também contribuirá para a recuperação do grau de investimento, um selo de qualidade que reflete a confiança do mercado na capacidade de o Brasil honrar seus compromissos financeiros.
Um ponto levantado por Ceron foi a percepção do mercado sobre a sustentabilidade das medidas econômicas adotadas até o momento. Segundo ele, a incerteza que ainda paira sobre as finanças públicas preocupa investidores, que temem a possibilidade de um descontrole fiscal. Ceron acredita, no entanto, que com as medidas adequadas, o Brasil pode retomar sua trajetória de crescimento sustentável.
CNC e a campanha contra a dívida pública
A Confederação Nacional do Comércio (CNC), por sua vez, lançou uma campanha que visa alertar a sociedade sobre os efeitos do aumento da dívida pública e a necessidade de uma reforma administrativa para conter o crescimento dos gastos estatais. Segundo estudo da CNC, um aumento de 1% na dívida pública pode reduzir em 25% o crescimento do PIB per capita, ou seja, uma taxa de crescimento que seria de 2% cairia para 1,5% em função da deterioração das contas públicas.
A CNC aponta que o desequilíbrio das contas públicas, evidenciado pelos déficits primários acumulados desde 2014, é um dos principais fatores que têm elevado a dívida bruta, que saltou de 71,7% para 78,6% do PIB no governo Lula. O aumento da dívida, combinado com a alta dos juros promovida pelo Banco Central para conter a inflação, tem encarecido o custo do crédito, afetando diretamente os investimentos e o consumo no país.
A entidade também criticou o engessamento do orçamento federal, ressaltando que mais de 90% das despesas são obrigatórias, com projeções de que esse percentual pode atingir 100% nos próximos cinco anos. Isso tem levado o governo a se concentrar no aumento da arrecadação, uma política que, segundo a CNC, pode gerar mais inflação, elevação dos juros e maior endividamento público.
A necessidade de uma reforma administrativa
Como uma das soluções para conter o avanço da dívida, a CNC defende a realização de uma reforma administrativa que corrija distorções na máquina pública e implemente melhores práticas de gestão. Segundo estimativas da entidade, essa reforma poderia gerar uma economia de R$ 330 bilhões ao longo de dez anos, além de atrair novos investimentos por meio de privatizações, concessões e parcerias público-privadas. A confederação também ressaltou os avanços obtidos com as reformas trabalhista e previdenciária, mas avalia que essas conquistas podem ser anuladas caso não haja mudanças significativas na estrutura do setor público.
A visão da CNC contrasta com a perspectiva do presidente Lula, que vê o Estado como o principal motor do desenvolvimento econômico. Lula tem afirmado que pretende recompor o quadro de servidores públicos, especialmente nas áreas que sofreram com a aposentadoria de funcionários nos últimos anos, como agências reguladoras e órgãos ambientais, cuja falta de pessoal tem gerado atrasos em licenciamentos e prejuízos ao setor privado.
Propostas de reforma gradual
A ministra da Gestão, Esther Dweck, parece adotar uma posição intermediária, preferindo uma abordagem mais discreta para a reforma administrativa. Dweck defende uma reorganização de carreiras no serviço público, com a criação de salários iniciais mais baixos e progressão de carreira mais lenta, para que os servidores não atinjam rapidamente o topo da remuneração. A ministra também propõe a implementação de programas de avaliação de desempenho, algo historicamente barrado pelos sindicatos.
Essas medidas, no entanto, só surtiriam efeito no longo prazo, e mesmo que houvesse disposição política para uma reforma administrativa mais ampla, faltaria o apoio necessário, como já ocorreu durante o governo de Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro. É importante lembrar que, em termos proporcionais, as despesas com pessoal da União estão no menor nível da série histórica, representando 3,4% do PIB em 2022 e 2023, ante quase 5% no início dos anos 2000.
Conclusão
A discussão sobre a dívida pública e a necessidade de reformas para conter o avanço dos gastos é urgente e complexa. Enquanto o secretário Rogério Ceron pede maior controle sobre as despesas obrigatórias e a CNC pressiona por uma reforma administrativa para equilibrar as contas, o governo Lula se vê em meio a um dilema: estimular o crescimento econômico através de uma maior presença do Estado ou ajustar as contas públicas com medidas impopulares que podem frear o consumo e os investimentos a curto prazo.
A sustentabilidade fiscal do Brasil dependerá, em grande parte, da habilidade do governo em implementar reformas de forma equilibrada, mantendo políticas sociais essenciais e, ao mesmo tempo, sinalizando ao mercado a viabilidade de suas medidas econômicas.