sábado, novembro 23, 2024
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Crônicas com Vitor Marcelo Vieira: Reflexões no banco da praça

Leia a coluna de Vitor Marcelo Vieira na Quinta da Opinião

Depois de dias corridos resolvi num belo dia sentar-se num banco da Praça Coronel Bertaso, no centro da cidade de Chapecó, oeste de Santa Catarina. Há muito eu queria fazer isso. Escolhi refletir não numa alguma montanha isolada ou no meio da floresta. Eu queria mesmo era observar a dinâmica do espaço urbano, que é constituído historicamente por homens e mulheres.

Aliás, venho nos últimos tempos procurando voltar minhas pesquisas e estudos para o espaço da cidade e suas múltiplas facetas. Isso porque a cidade é revestida por muitas cores, uma multiplicidade de vivências e experiências. No banco da praça, esperando que alguma ideia surgisse para dar sentido ao que vim fazer ali, me sentei com toda paciência e resolvi não pensar em nada. Deixei meus pensamentos divagarem e meus olhos seguirem o rumo da brisa que soprava leve naquela tarde de domingo. Em minha mente veio o sentimento de como é prazeroso observar a cidade quando ela está em silêncio, pois somente assim é possível observar os detalhes dela, o que não é possível ver na correria desenfreada da semana, que nos consome com a velocidade do tempo acelerado, dos carros, buzinas, motores, fumaça. Nada disso está presente nesses dias, pois uma parte considerável das pessoas escolhe viajar ou se encastelar entre seus muros e fortalezas. São escolhas.

Dias movimentados na cidade também são importantes para serem estudados, mas para conhecer os detalhes, nada melhor do que os dias solitários. Neles você pode caminhar, olhar para as casas, suas varandas com flores e plantas, os prédios novos e os antigos, seus contornos, sua arquitetura. Quando ela está silenciosa e vazia, entregue aos pássaros, ao barulho do vento que sopra as folhas das árvores e carrega consigo as folhas caídas na calçada, é possível ver coisas que não vemos nos dias comuns.

Naquela bela tarde quando poucas pessoas passeavam por ali, me encontrei mergulhado em pensamentos sobre os sonhos que a cidade pode representar aos olhos das crianças. Ao ver do outro lado algumas lojas com suas belas vitrines organizadas com muitas mercadorias, me veio a tona as lembranças de que quando criança, passeava com meu irmão mais velho, na época morávamos em Erechim (RS), a olhar as vitrines no início da noite. Lembro do encantamento que me tomou quando vi um trenzinho elétrico com sua maravilhosa malha ferroviária que o levava por montanhas, vales nevados e túneis. Meus olhos brilhavam de tanto desejo que tinha de estar do lado de dentro da vitrine, pois aquela mercadoria parecia ter vida e fazia brilhar os olhos da criança sonhadora. Mas eu sentia que aquilo ali à minha vista, estava distante de mim.

Não era possível sonhar com aquele mundo encantado. É como se aquela mercadoria tivesse vida. Mas era eu que tinha vida. Eu me via dentro do trenzinho brincando, assim como eu fazia quando ficava na frente do rádio a pilha do meu irmão. Quando ouvia alguma estação de rádio AM, olhava pelas frestas da parte traseira do aparelho, e tentava entender e encontrar onde estavam aqueles homenzinhos que falavam no rádio. Eu imaginava que eles estavam dentro do aparelho.

Mas essas não eram as únicas lembranças que me vieram naquela tarde. Veio a tona uma certa noite em que havia uma grande tempestade. Na época eu morava em Maravilha (SC) com minha tia que na ocasião já era velhinha. Ela foi a responsável pela minha criação e de meu irmão mais velho, que costumava sair à noite. Eu e minha tia ficávamos sozinhos somente com as luzes do lampião de querosene. Era uma fumaça só dentro da casinha pequena de madeira e coberta com telhas de barro. Mas a área da casinha era coberta com zinco e quando chovia fazia um barulhão. Lembro daquela noite, eu tinha muito medo da tempestade e o vento que vinha pelas frestas da casa quase apagava o lampião de querosene.

Minha tia correu pegar uns raminhos secos abençoados pelo padre, pois ela sempre os tinha. Ela era muito católica. Mas não tinha preconceito quanto a diferentes religiões, pois ouvia os programas dos pastores das igrejas pentecostais, que tinham programas diários na rádio AM local. No final da tarde ela colocava um copo de água em cima do rádio quando o pastor abençoava, e depois tomava. Eu também tomava. Naquela noite de temporal ela queimou os raminhos dentro de casa e não demorou muito para a tempestade passar. Com esse ritual e mais a folha da santa Bárbara pregada na parede, não havia o que temer.

Voltei desses pensamentos, no banco da praça e fiquei impressionado até onde eu tinha viajado no tempo, ali naquela tarde de brisa calma. Depois olhei para o museu que fica do outro lado da avenida Getúlio Vargas. Todo pintado em amarelo. É um belo prédio. Um patrimônio da cidade. Aparece lá imponente, antigo, de outros tempos, no tempo presente. Ao seu lado outros prédios de um tempo mais recente. Diversos tempos se confluem ali. Um representa um tempo que andava devagar. Há ali por perto outros prédios mais recentes, aqueles do tempo acelerado. Naquela tarde o que eu estava imerso no tempo da natureza, aquele do dia, do sol. Estava desligado do tempo do relógio, o tempo do trabalho, o tempo do capitalismo. Eu estava deixando o tempo passar, ali sentado e em plena reflexão.

Olhei novamente para as árvores e para os pássaros, e vi como são livres nesses dias, como são felizes. Mas a cidade tem isso e muito mais. Ela abriga as pessoas que a noite dormem em suas casas, seus apartamentos e aquelas que dormem na rua. Lembrei de uma noite dessas em que saí de uma pizzaria, onde me deliciei com saborosos pedaços de pizza regado a um bom vinho. Quando saí e fiz a volta na esquina me deparei com um homem deitado na pequena rampa de entrada de um luxuoso prédio. Estava ali, naquela noite fria, deitado de lado, encolhido. Parei diante dele, não notou minha presença e pensei o que eu poderia fazer. Tentei lembrar se tinha alguma manta ou coberta no meu carro para jogar sobre ele. Eu não tinha. E com o estomago forrado ao sair de uma pizzaria, avistava aquela pessoa ali, talvez com fome também.

Me veio em minha mente que o motivo de as pessoas escolherem viver assim, somente elas sabem, ninguém mais. Não necessitam de julgamentos. Ao me deparar em tal situação, percebi que entre ele e eu não há muita distância social e econômica. Bastaria que eu ficasse alguns dias sem trabalhar e a distância diminuiria e então lá estaria eu. Talvez o que ainda o mantinha ali era que concreto estava quente do sol do dia, e talvez aquela pedra ainda pudesse o aquecer por mais alguns instantes. Entrei no carro e me convenci que de agora em diante não posso andar sem uma coberta no carro.

Voltando a contemplação na praça, percebi que a tarde havia passado e o sol já desaparecia no horizonte. Era hora de ir para casa. Para meu lar quentinho, debaixo das minhas cobertas. Levantei-me e saí pela tangente.

Um abraço leitor/a.

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