Ação penal pública contra Fabiano Kipper Mai, autor do ataque à Escola Municipal Infantil Pró-Infância Aquarela, que deixou cinco pessoas mortas foi ajuizada na sexta-feira (21) no Fórum de Pinhalzinho e detalhada em entrevista coletiva, transmitida ao vivo pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). As Investigações constataram que o crime foi planejado durante 10 meses. Promotores pedem que o autor seja julgado pelo Tribunal do Júri por 19 homicídios triplamente qualificados, sendo cinco homicídios consumados e 14 tentados.
Conforme o MPSC, o crime foi “vil e cruel praticado por motivo torpe, contra crianças menores de dois anos e educadoras que não tiveram a mínima chance de se defender, vítimas de um homem covarde que planejou as mortes durante 10 meses”.
A denúncia foi detalhada esta tarde em uma entrevista coletiva transmitida diretamente de Pinhalzinho, município sede da Comarca que abrange Saudades, pelos Promotores de Justiça Douglas Dellazari, responsável pelo caso e Júlio Locatelli, designado para colaborar no inquérito. O Procurador-Geral de Justiça, Fernando da Silva Comin, e o Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Alexandre Estefani, também participaram da coletiva.
Segundo os Promotores de Justiça, a partir das investigações da Polícia Civil e do Ministério Público, que envolveram, inclusive, a quebra do sigilo de dados do computador do denunciado e de seu celular, ficou claro que o crime foi planejado por pelo menos 10 meses e a única motivação do autor foi a busca de fama.
Os relatórios dos dados e das informações obtidas pela quebra do sigilo dos aparelhos eletrônicos demonstram que, durante o período em que planejou o ataque, Fabiano participou de fóruns de discussão na internet sobre crimes violentos, pesquisou serial killers e tentou comprar armas de fogo.
Segundo Dellazari, o autor do ataque à creche pesquisou sobre a volta às aulas presenciais no município de Saudades e sobre a creche Aquarela, onde procurou o alvo mais fácil para executar o seu plano, pois ele não conseguiu comprar armas de fogo, apenas facas. Para os Promotores, isso comprova que ele agiu de forma cruel e covarde além de ter premeditado o crime de maneira a reduzir as chances de defesa das vítimas. As investigações apuraram que ele pesquisou, também sobre chacinas cometidas em escolas com o uso de facas e outras armas brancas.
No ataque, duas educadoras e três crianças morreram, e uma quarta criança foi gravemente ferida, mas sobreviveu, após ser socorrida e levada ao hospital. O que levou os Promotores de Justiça a denunciar o autor por cinco homicídios e 14 tentativas de homicídio foi a comprovação de que, além das cinco vítimas fatais e do bebê que foi socorrido, ele tentou matar outras 14 mulheres e crianças, que só escaparam do massacre porque ele não conseguiu entrar nas salas em que essas pessoas estavam, mesmo após diversas tentativas de arrombamento de portas e janelas. Ele tentou matá-las, mas as mulheres que cuidavam das salas conseguiram bloquear portas e janelas e uma, inclusive, ficou ferida ao evitar a entrada do assassino por uma janela.
O Subprocurador-Geral de Justiça para Assuntos Institucionais, Alexandre Estefani, que também esteve presencialmente na coletiva, afirmou que o Ministério Público atuará no processo de maneira a perseguir uma punição exemplar ao autor dos crimes, pois nada pode justificar um ato tão vil, cruel e covarde contra pessoas indefesas e crianças tão pequenas, com menos de dois anos de idade.
Confira os detalhes do ataque que foram informados pelo promotor Dellazari:
Conforme o promotor Douglas Dellazari, o planejamento se iniciou há aproximadamente 10 meses de forma premeditada. A idealização era de um massacre, a partir da quebra de dados foi possível reiterar inúmeros acessos, pesquisas na internet a conteúdos impróprios de extrema violência, e que fomentam ações discriminatórias, ódio e matança generalizada. Segundo Dellazari, foi possível aferir que o denunciado nutria uma espécie de idolatria por assassinos em série, criminosos e assassinos em massa.
Ainda segundo o promotor, além desses inúmeros acessos a esses materiais, Fabiano pesquisou o retorno das aulas presenciais em Santa Catarina, principalmente em Saudades.Na véspera do evento, ele pesquisou especificamente sobre a creche Aquarela.
O dia do crime
Ao longo do dia 4 de maio, Fabiano se dirigiu normalmente ao local de trabalho. Por volta das 9h15, ele foi até a sua residência, preparou a mochila com as facas, pegou a bicicleta e se dirigiu até a creche.
Dentro da escola, uma das educadoras saiu de uma das salas ao encontro de Fabiano no pátio central para interpelá-lo. Conforme Dellazari, esse é o momento em que ele começou os atos executórios. O promotor informou que ele queria matar o maior número possível de vítimas. Dellazari detalhou que uma das professoras faleceu ainda no local, “com a brutalidade incomum, multiplicidade de golpes absurdos, sem nenhuma chance de defesa dessas vítimas. Uma das professoras sofreu muito, com as vísceras já expostas”, relatou o promotor.
Depois de matar as educadoras, Fabiano se dirigiu a uma outra sala, onde estavam crianças menores de dois anos, com mais três profissionais. Conforme Dellazari, cientes do que acontecia, as educadoras viram outra professora ser golpeada. Fabiano vai até a porta dessa sala e tenta de todas as formas conseguir entrar no local. Segundo o promotor, as professoras, de maneira heroica, resistiram e não deixaram ele entrar.
Dellazari detalhou que após não conseguir entrar na sala, Fabiano procura outro local para atacar. Ele foi até uma terceira sala, onde também forçou a entrada. O promotor informou que ele chegou a entortar as estruturas, com chutes. Por um vidro na porta, as professoras e agentes educacionais resistem às investidas, “tudo isso diante de um terror que se alastrava e contaminava todo o local”, detalhou o promotor.
Após não conseguir entrar nas salas, Fabiano pegou um caminho em uma parte anexa do local, na parte de trás, e lá procurou por novas salas e vítimas. Ele chegou nessa estrutura anexa, se aproximou de uma janela e desferiu golpes contra uma professora. Os golpes foram na cabeça e pescoço. Conforme o promotor, por sorte Fabiano não acertou essa vítima.
Dellazari ainda relatou que após essa tentativa de homicídio, em um “tom sádico”, Fabiano passou pelas salas “batendo com as facas nos vidros das janelas”. O autor avistou uma professora que estava na primeira sala que ele tentou invadir. Conforme Dellazari, ela saiu do local e pediu socorro. Fabiano então retorna a sala do Maternal 3 e encontra as quatro crianças desassistidas, pois a professora havia saído da sala para pedir ajuda.
“Se aproveitando dessa situação covarde, cruel, com múltiplos golpes, ele acabou ferindo as crianças. Três delas foram a óbito e uma sobreviveu”, relatou o promotor.
Após assassinar as crianças, Fabiano começou a distribuir artefatos explosivos para gerar um clima de terror e tentar afastar qualquer intervenção. Neste momento, vizinhos e pessoas da imediação escutaram os pedidos de socorro e foram em direção à creche.
Eles encontram Fabiano próximo a porta do Maternal 3, e um dos populares ainda consegue resgatar duas crianças da sala. Conforme o promotor, uma delas foi a óbito.
Devido ao barulho feito pelos artefatos explosivos, os populares que tentavam auxiliar as vítimas fugiram do local, pois imaginavam se tratar de disparos de arma de fogo. Fabiano então saiu da sala do Maternal 3 em direção a rua, para fugir do local. Na via pública, ele encontra as pessoas, em maior número que ele e com algumas barras de ferro em mãos. Segundo o promotor, é apenas nesse momento que ele para seus ‘atos executórios’ e volta para a sala do Maternal 3. Então, as pessoas vão até essa sala e Fabiano começa a se auto lesionar. Após isso, ele é contido e desarmado pelos populares e as forças policiais chegam ao local.
Crime acelera programas institucionais do MPSC de combate a esse tipo de violência
O Procurador-Geral de Justiça, Fernando da Silva Comin, participou de forma remota da coletiva para levar a solidariedade do MPSC às famílias das vítimas e à comuniddade atingida pela tragédia e anunciar as mediadas que estão em fase de implantação para prevenir e combater esse tipo de violência.
Comin anunciou que o Ministério Público catarinense irá conhecer de perto a experiência do Ministério Público de São Paulo (MPSP) que criou um grupo especial parta investigar e combater os crimes cibernéticos. Outra preocupação do Ministério Público manifestada pelo Procurador-Geral foi com relação ao projeto de alteração do Código de Processo Penal (CPP), que apresenta propostas que tornarão mais restrita a atuação dos Promotores de Justiça no Tribunal do Júri e poderão aumentar a impunidade em crimes como o que abalou Saudades, Santa Catarina e o Brasil.